Como ensinamento, a descoberta de defeitos e virtudes pessoais são atributos equivalentes, embora entre eles, como repertório cognitivo, exista uma grande diferença. Enquanto o primeiro se presta a mostrar o caminho que possibilita a reciclagem, o segundo se presta a mostrar como se chega a esse caminho...
"A boa obra contempla um projeto sólido e viável, organização, bons materiais, e principalmente a determinação e qualidade do perfil ético do obreiro..."
Examinando as raízes da Questão...
Quando as religiões foram criadas pelos homens, o medo foi o principal baluarte que o porta-bandeira promotor da boa nova carregava com orgulho à frente. Afinal de contas, fazer o homem temer diante de uma suposta autoridade extrafísica capaz de colocá-la á força na linha, era uma eficaz pedagogia.
Sempre é bom lembrar que as religiões organizadas foram oficialmente criadas com propósitos políticos, como forma de controle e ordenação social, uma vez que naqueles tempos turbulentos, tribos divididas por crenças antagônicas lutavam entre si pela predominância de suas tradições particulares, colocando em risco a estabilidade de qualquer governo, ou nações que tentavam se consolidar dentro do cenário do mundo conhecido da época.
E os primeiros ministros religiosos, como forma de controlar seus violentos, indisciplinados e supersticiosos rebanhos bárbaros, que evolutivamente, ao contrário dos demais animais irracionais, tinham acabado de ganhar um cérebro capaz de pensar racionalmente, determinaram que a reverência ao medo seria a mais eficiente forma de domesticá-los.
Por isso que a presença de deuses implacáveis, entidades extracorpóreas, cuja única função existencial aparentemente era bisbilhotar a intimidade daqueles homens primitivos para depois castigá-los, tornou-se o magistério oficial. Ocorre que os homens primitivos viviam um grande conflito, afinal de contas, abandonar de vez a índole de animal irracional, um status que lhe conferia o benefício da insubserviência absoluta, não lhes parecia uma boa ideia. E embora brutos, sabiam obedecer, pelo menos diante do relho dos mais poderosos, e como sempre, por medo de retaliações.
E estranhamente cada inquilino daquele panteão divino não pensava noutra coisa senão em também colocar cada cidadão no quartinho dos castigos, caso desobedecesse às regras recém criadas para organizar o santo ofício. Por outro lado, no caso da submissão cega e sem perguntas, pelo menos em promessa, cada convertido seria agraciado com uma exemplar gratificação.
Mas ainda assim, para que aquele comportamento idólatra se firmasse como tradição, mostrar o que deveriam temer se tornou a pedagogia de todos os catequistas de plantão. Daí o fortalecimento da doutrina do medo como modelo didático, que ainda hoje é o eixo e principal engrenagem da “espiritualidade” religiosa ortodoxa que conhecemos.
Na verdade, a intenção nunca foi a doutrinação em torno de uma busca espiritual, e sim como se tornar medroso e cada vez mais submisso aos grilhões da superstição, assim como tornar-se adepto incondicional daquela ideologia criada para domesticar bárbaros. A pedagogia do medo, além de nunca ter a intenção de esclarecer as questões existenciais mais simples daquele povo, cuidava para que o indivíduo perdesse de vez o natural dom da dúvida, impedindo cada vez mais seu acesso voluntário à informação e ao esclarecimento.
Nascia assim o estrabismo mental, onde pecado era duvidar, enquanto que aceitar os mais absurdos comportamentos e pensamentos, não. Imagine duvidar que a terra não fosse o centro do universo; ou que não fosse o único mundo habitado existente naquele incomensurável vácuo cósmico. Insinuar ainda que os gurus ou eclesiásticos não fossem as autoridades delegadas pelos próprios deuses para representá-los sobre a terra, era uma heresia passível de pena capital.
Por que será que é tão difícil desfazer um velho equívoco e tão fácil criar um novo?
Certa vez, um senhor já cansado de tanto explicar em vão para os filhos capetas do vizinho que sua garagem de Certa vez, um senhor já cansado de tanto explicar em vão para os filhos capetas do vizinho que sua garagem de tralhas era um local proibido para brincadeiras, teve uma ideia. Primeiro contou a história de uma barata gigante; uma entidade que vivia em ambientes como aquele. Impressionados, os pirralhos traquinos foram para casa dormir. Mas, como era de se esperar, no dia seguinte já não se lembravam do bizarro conto. E nesse dia, fingindo que saíra para o trabalho, o senhor se escondeu dentro da garagem, e vestido com uma fantasia de barata gigante, ficou à espera do óbvio: a invasão dos indisciplinados. E quando eles viram aquele monstro enorme vindo em sua direção, fugiram desesperados. Por um bom tempo não saíram de casa, e claro, nunca mais retornaram ao local.
A pedagogia do medo se utilizava dos mesmos princípios: primeiro eram as histórias, os contos, as fábulas e parábolas, toda uma literatura oral e escrita, que fora criada especialmente para fertilizar o terreno onde, posteriormente, uma mentalidade adubada pelo temor seria cultivada; uma mentalidade em cima da qual os patronos de cada mito seriam edificados.
Depois viriam os testemunhos, normalmente a palavra das autoridades eclesiásticas ou nobres, das quais era proibido duvidar, assim como ainda é nos dias atuais. E, como medida extrema, os exemplos públicos de castigos com severa penas para os infratores ou discordantes, completava o eficiente processo pedagógico.
Desse modo, um mundo dominado pelo terror e caos precisava ser criado, e o mais importante, conservado e eventualmente, reciclado e refinado. Era até uma forma lógica de promover e consolidar aquele arquétipo e modelo opressor, assim como justificar a existência dos bondosos e complacentes deuses protetores dos justos, mas, implacáveis contra os injustos.
E mostrar apenas o lado negativo desse mundo se tornou uma cruzada santa para esses ministros religiosos, a mesma cartilha também adotada pelos nobres dominantes, assim como pelas classes políticas interessadas em se fixar no poder, embora mascaradas como defensores do povo. E o medo se tornou a mais eficaz forma de controle daquele rebanho de ovelhas impedidas de pensar. E a doutrina daqueles senhores, o sistema educacional daqueles dias, este aparentemente prosperou, se aperfeiçoou, e continua a ser aplicado com invejável competência e o apoio de um sofisticado aparato midiático ainda hoje.
Eis o motivo pelo qual a negatividade se tornou uma liturgia, um verdadeiro princípio existencial. E como efeito, transformou-se no alicerce estrutural da sociedade como hoje a conhecemos. Daí o costume social moderno de enfatizar apenas as coisas negativas. E o pior de tudo, por desconhecer outro modo de vida, as tragédias se tornaram diversão, um componente natural dentro de nossa rotina, tradição e cultura.
E nesse ambiente, falar que existe a possibilidade de ser feliz sem cultuar nada disso, até parece coisa de herege. Afirmar que podemos ser felizes sem as muletas das corporações religiosas, dos gurus e homens santos, sábios, políticos, entidades filantrópicas, ideológicas, ou de qualquer outra coisa que faça o papel de arrimo psicológico, pode ser classificado como uma doença mental infecciosa, digna de degredo perpétuo nas masmorras da ignorância.
Será que somos capazes de enxergar com lucidez toda insensatez que reside dentro de nossas moradas conscienciais?
Parece que voltamos à idade das trevas, seguindo um padrão de conduta, onde, um sujeito disposto a pensar por conta própria, a trilhar seu caminho pessoal a partir do autoconhecimento e guiado pela dúvida sensata, será considerado inimigo do estado.
E do outro lado, ser estúpido e leviano, e o mais importante, publicamente praticar atos insanos patrocinado pela ignorância e sob a jurisprudência da mais absoluta falta de bom senso, tudo isso pode ser considerado exemplo de virtude, integridade e inteligência.
Aparentemente, desde aqueles tempos, as únicas mudanças que ocorreram, quando nos comparamos com nossos ancestrais, foi na indumentária e na sofisticação para guerrear e destruir nossos desafetos à distância. Entretanto, quando voltamos nossos olhos para o indivíduo, este, psicologicamente, não dá indícios de que tenha dado um passo à frente sequer.
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Alberto Silva Filho - albfilho@gmail.com
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