Autor: Editoria de Folclore - Site de Dicas[1]
Conteúdo Atualizado: 28 de Novembro de 2023
Cobra Norato, ou Honorato, é uma das mais conhecidas lendas do Folclore Amazônico. Conta a lenda que em numa tribo indígena da Amazônia, uma índia, grávida da Boiúna (Cobra-grande, Sucuri), deu à luz a duas crianças gêmeas, que na verdade eram Cobras. Um menino, que recebeu o nome de Honorato ou Norato, e uma menina, chamada de Maria Caninana.
Depois de nascidos, ao perceber que eram "Cobras", ela resolveu se aconselhar com um Pajé, e perguntou se devia matá-los, ou jogá-los no rio. O Pajé, então respondeu que se os matasse, ela morreria também. Então ela decidiu soltá-los no leito do rio Tocantins.
Lá no rio eles, como Cobras, se criaram. Honorato, era bom e vinha sempre visitar a mãe. Por outro lado, sua irmã, "Maria Caninana", que era a mais pura expressão da maldade, nunca veio. Assim mesmo, andavam sempre juntos e percorreram todos os rios da Amazônia.
"Maria", sendo muito má, um verdadeiro demônio, fazia muitas travessuras, o que causava um grande desgosoto ao irmão. Alagava canoas, mexia com os bichos, assombrava e afogava viajantes e banhistas, fazia naufragar embarcações, cometia, enfim, toda sorte de maldades, com animais e pessoas.
Eram tantas as maldades e atentados praticadas por ela que, um dia, Honorato acabou por matá-la para por fim às suas perversidades. Honorato, em algumas noites de luar, perdia o seu encanto e adquiria a forma humana transformando-se em um belo rapaz, quando então deixava as águas para levar uma vida normal na terra.
Outras versões dizem que, Honorato, como entidade encantada, quando queria, à noite (só à noite) transformava-se em gente, deixando à beira do rio, a monstruosa casca da cobra em que vivia. Gostava muito de dançar. Era um moço alto e bonito.
Muitas vezes, ia dormir em casa de sua mãe, e então, pedia encarecidamente a esta que, antes do galo cantar, fosse à beira do rio, onde estava sem ação o seu corpo de cobra e que, deitando-lhe um pouco de leite na boca, lhe desse uma cutilada que o fizesse sangrar. Feito isso, ficaria ele desencantado para sempre.
A Mãe de Honorato foi muitas vezes tentar fazer isso, mas era tão grande, feia e monstruosa a cobra, que ela não tinha coragem, e voltava sem ser capaz de cumprir o que lhe pedira o filho. Ele, porém, garantia que a cobra, apesar da aparência, nada lhe faria de mal.
O mesmo pedido fez eles a muitas outras pessoas, garantindo a mesma coisa, mas quando iam elas cumprir o pedido e viam tamanho monstro, corriam aterrorizadas para trás, e por isso ele não podia desencantar.
Como na tradição dos seres fabulosos das águas[2], Honorato adorava a dança. Costumava então aparecer nos bailes ribeirinhos, encantando a todos com a sua elegância e simpatia. Desaparecia para surgir, cinquenta léguas adiante, noutro baile. Enquanto isso, na margem do rio ficava a pele enorme da cobra, esperando a volta do seu infeliz dono.
Ocorre que, estando ele certa feita nas águas do rio Tocantins, chegou à cidade de Cametá[3] (município do Pará). À noite, ali, procurou um soldado, conhecido pela sua bravura, e lhe fez o costumeiro pedido[4].
Dessa vez, aquele destemido soldado, foi à beira do rio, viu o monstro inerte, mas não recuou como todos os outros. Colocou leite na boca da cobra, e em sua cabeça deu uma cutucada com um punhal que a fez sangrar.
Pronto, a partir daquele dia, Honorato finalmente desencantou e se transformou de vez em gente. Deixou de ser Cobra Dágua para viver na terra com sua família, como um homem normal.
O imenso corpo da cobra foi então queimado e reduzido à cinzas, que logo se espalharam pelo rio.
Esta é a versão corrente atualmente em todo estado do Pará. Já está integrada ao fabulário popular e perfeitamente assimilada pelos moradores locais.
Nomes comuns: Cobra Norato, Cobra Honorato, Cobra Grande.
Origem Provável: O mito, da forma como se apresenta, faz parte do folclore Europeu. Se ignorarmos os episódios semelhentes em todos os folclores do mundo, é Amazônico.
Em Portugal existiam entidades fantásticas com o corpo de cobras. Em certos dias, abandonando a pele, a linda moça canta, suplicando que alguém fira a serpente para livrá-la do encanto. É sem dúvida muito semelhante à lenda da nossa Cobra Honorato.
Os elementos formadores desse mito são muitos e complexos. No Brasil, as serpentes fluviais tiveram seu ciclo com a Mboi-assu, a Boiúna. Na América do Norte com Bachue, e no México com outras tantas.
Os africanos trouxeram muitos mitos onde as serpentes figuravam, representando fenômenos meteorológicos ou forças subterrâneas, misteriosas, que eles identificavam como sendo o "Espírito da Morte".
[2] De acordo com a tradição, os seres misteriosos que vivem na água amam a dança como a mais natural das ocupações. A Iara cantava, mas a Ondina não dispensava um baile.
[3] José Carvalho - O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará, pp. 19/21. Belém, Pará, 1930.
[4] Para que se quebrasse o encanto de Honorato era preciso que alguém tivesse muita coragem para derramar leite na boca da enorme cobra, e fazer um ferimento na sua cabeça até sair sangue. Ninguém tinha coragem de enfrentar o enorme monstro, até que apareceu esse soldado da cidade de Cametá.
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