No artigo a autora apresenta um estudo reflexivo onde examina a repercussão do mito do perfeccionismo dentro das sociedades civilizadas
"Uma mente ociosa é como um terreno baldio, e acaba por servir de depósito para todo tipo de lixo..."
Um mundo perfeito só poderia ser concebido por indivíduos perfeitos. Mas, a existência de qualquer indivíduo já não sugere que ele está inacabado? Algo já concluído, finalizado, sem mais espaço para aperfeiçoamentos, sem mais nenhum ponto a ser corrigido, sem mais nenhuma experiência a lhe ser acrescentada, qual seria sua função ou utilidade dentro da progressão existencial humana? Qual seria a razão da sua existência? O que poderia agregar a si mesmo, ou mesmo experimentar, que já não o tivesse feito antes?
De acordo com as leis da natureza, aquelas sob as quais não temos controle ou jurisdição, o processo de destruição é o marco inicial do movimento de mudança. Trata-se da descontinuidade de um estado para o nascimento de outro.
Descontinuidade significa transição, a desconstrução de um estado primário para outro mais aperfeiçoado ou regenerado. Entretanto, no nosso caso, onde a ideia de perfeição sugere rotina, continuidade e estabilidade, compreender essa mecânica poderá não ser uma tarefa tão simples.
Nasce porque ainda não está completa; completou apenas um estágio. Como um processo em andamento, ainda não está acabada, finalizada. Há incontáveis variáveis em sua fisiologia sujeitas às modificações involuntárias, e o próprio ato de nascer já representa a desconstrução ou transição de um estado para a criação de outro.
A transformação não voluntária é a lei geral da natureza de todas as coisas. Não há como evitar; não depende de nós, trata-se de um processo espontâneo e ocorre sem depender de opiniões, conceitos, tratados sociais, crenças religiosas ou de protocolos científicos. Pode ocorrer para menos ou para mais, mas é inevitável; impossível de conter.
Se algo existe para se modificar, pela lógica, está em processo de degeneração, aperfeiçoamento ou transição, ou não precisaria mais de retoque algum. Nasceria inerte e inerte permaneceria; seria o mesmo que não nascer. Sendo o processo de nascimento uma transformação, aquilo que é estático por natureza, não poderia existir. A existência de um processo estático seria uma violação da sua condição natural de inércia perpétua.
E o fato é que nada que exista é perfeito, pelo menos não segundo o que para nós significa a expressão “perfeito”. Para nós, perfeito quer dizer bem feito, sem falhas, sempre em comparação com o nosso ideal de impecabilidade. Mas nosso ideal de impecabilidade não pode servir de modelo, uma vez que somos incompletos, imperfeitos, falhos. Assim, nosso modelo de perfeição ainda é imperfeito, e nele sempre caberão mais e mais aperfeiçoamentos, inclusões, descartes, reparos e ajustes.
Perfeita seria a intocável lei das mudanças, da permanente transformação de tudo que há. Imperfeito para sempre seria o objeto sobre o qual esta lei atua. Mas, imperfeito não quer dizer mal feito, e antes disso, seria mais adequado chamá-lo de parcialmente feito ou incompleto. Existe para se modificar, para menos ou para mais, não sabemos até quando, não sabemos o porquê, e apenas podemos evidenciar que sempre foi assim; que sempre assim será.