Autor: Editoria de Folclore - Site de Dicas[1]
Revisto e Atualizado: 02 de Maio de 2024
O Mapinguari é o mais popular dos monstros da Amazônia. Seu domínio estende-se pelo Pará, Amazonas e Acre, vivificado pelo medo de uma população meio nômade que mora nas matas, subindo os rios, acampando nas margens desertas dos grandes lagos e lagoas sem nome.
Caçadores e trabalhadores de todos os ofícios citam o Mapinguari como um verdadeiro demônio do Mal. Não tem utilidades ou vícios cuja satisfação determine aliança momentânea com os religiosos cristãos. É um matador por natureza.
Por isso mesmo, Mata sempre, com singular precisão, infalivelmente, obstinadamente, quem encontra pela frente. Mata para comer. Descrevem-no como um homem agigantado, pelos negros, cabelos longos que recobrem seu corpo como um manto, de mãos compridas, unhas em garra, fome insaciável, ou "canina", como é conhecida a fome que nunca tem fim.
Só é vulnerável no umbigo. É crença universal a existência da vulnerabilidade umbilical dos monstros. Indica também que um dia nasceu de outro nascido, que é um ser vivente como todos os outros que habitam a terra, embora pertença a uma linhagem pouco compreendida.
Em algumas regiões, também o Lobisomem, pode ser abatido pelo umbigo. O Mapinguari, ao contrário de outras entidades fabulosas, não anda durante a noite. Durante a noite, dorme. O perigo é durante o dia, à penumbra no meio das florestas fechadas que mal deixam passar a luz do Sol. Na obscuridade dos troncos, de muitas formas o Mapinguari se destaca, e surge bruscamente, para atacar e ferir. Mas não avança silencioso como seria a lógica. Vem berrando alto, gritos soltos, curtos, horríveis, que deixam suas vítimas atordoadas, paralisadas e sem ação.
De longe os homens ouvem seus apelos terríveis. E fogem, sem olhar para trás. É como se o Mapinguari estivesse desafiando os carajosos para um encontro supremo, face a face. Estes gritos roucos e contínuos, explicam os rumores naturais que a floresta produz e não se consegue de forma sensata explicá-los. Assim, sem uma explicação lógica para os muitos e difusos barulhos e murmúrios da densa e misteriosa mata, os homens logo atribuem ao Mapinguari este fabuloso repertório sonoro.
Qual seria a origem do Mapinguari? Não parece muito antiga, uma vez que seu nome não está presente em nenhuma lista dos cronistas coloniais. Aparece já nos tempos modernos, mais comumente nas narrativas dos seringueiros, nas lembranças dos récem-vindos da Amazônia. Cronistas famosos como o minucioso Stradelli, ou Tastevin, não registram sua existência em seus vocabulários.
Seu físico é quase uma descrição literal do Caapora, assim desenhado por Couto Magalhães [2]: "Um grande homem coberto de pelos negros por todo corpo e cara, montando sempre um grande porco de dimensões exageradas, tristonho, taciturno, e dando vez por outra um grito para impelir o animal."
Esta descrição é a do Caapora, onde o porco é o elemento não concordante com o Mapinguari.
Já o Caapora de Gonçalves Dias [3], era um índio anão. O Mapinguari é, evidentemente, um Caapora desfigurado, sem alguns elementos que no passado autenticavam sua origem e atividade dentro das florestas. Guarda a estrutura, o grito, o corpo vestido de pelos. Também o seu habitat florestal, continuando a ser um mito das matas, conhecido especialmente por aqueles que nela vivem.
Mapinguari é um animal fabuloso, semelhante ao homem, mas todo cabeludo.
Os seus grandes pelos o tornam invulnerável à bala de qualquer calibre, exceção da parte do umbigo.
Segundo o Mito, é ele um terrível inimigo do homem, a quem devora e despreza. Mas devora apenas a cabeça.
Acreditam alguns índios Tuixauas, que se trata da reencarnação viva de um antigo rei de sua etnia, que no passado habitava aquelas regiões.[4]
Como o Quibungo africano, o Mapinguari, tem a posição anômala da boca, rasgada do nariz ao estômago, num corte vertical, cujos lábios estão sempre sujos de sangue. Depoimentos atestam que seus pés em forma de casco, são virados ao avesso, como os do seu concorrente, o Curupira.
Nomes comuns: Mapinguari. Não são conhecidas outras variações.
Origem Provável: É de origem recente e possivelmente uma variante do Curupira. Nenhum cronista do Brasil colônia ou império citam seu nome. Mas, entre os seringueiros e moradores da floresta Amazônica é quase uma unanimidade. Alguns elementos de sua fisiologia e costumes foram com certeza tirados do Caipora ou Curupira. Mas não é de origem indígena, uma vez que há nele uma espécie de caráter punitivo de cunho religioso, coisa alheia à tradição dos aborígenes.
O nome Mapinguari, possivelmente se trata de uma contração de mbaé-pi-guari, a cousa que tem o pé torto, retorcido, ao avesso. O início da surpresa seria o rastro de forma estranha, circular, indicando justamente a direção oposta ao verdadeiro rumo. Posteriormente é que a imaginação criou a figura material, semelhante aos outros monstros.
Quando ele apanha um caçador, mete-o debaixo do grande braço forte como aço, mergulha-lhe a cabeça na imensa bocarra, e masca-o, isto é, come-o aos poucos, mastigando lentamente, remoendo.
Em um ponto distancia-se do Lobisomem. Não há notícia de alguém poder se tornar Mapinguari. O Sr. Mário Guedes[5], pesquisador de mitos, informa que é crença entre alguns índios Tuixauas. escutou isso de um chefe indígena dessa etnia, que o Mapinguari era o "antigo rei da região". Mas se há esta lenda, o Tuixaua só tomou a nova encarnação depois de morto. Mas, o Mapinguari é uma forma definitiva.
Um dos traços visíveis da catequese católica é a intercorrência do resguardo aos dias santos e domingos. O Mapinguari escolhe quase sempre estes dias para suas aventuras predatórias. Caçador que encontrar matando caça nestes dias proibidos e de preceito, é homem morto.
É opinião concreta entre os compiladores folcloristas, que nessa insinuação está a antiga influência da catequese de tentar incutir entre os selvagens, sob o jugo do medo, obediência cega a uma das leis da Igreja.
J. da silva Campos, em seu livro de contos tradicionais[6], relata o seguinte episódio.
Ao que ele retrucava: "Ora, no domingo também se come..."
E lá se ia para o mato, onde ficava o dia inteiro.
Por muita insistência sua, o companheiro resolveu-se a ir fazer uma caçada com ele, certo domingo. Foram e perderam-se um do outro. O que não estava habituado a tais empreitadas andou muito tempo à toa, sem acertar o caminho, e já não sabia mais onde tinha a cabeça, de atarantado. Foi quando ouviu uns berros medonhos e estranhos, que o encheram de pavor. Subiu mais que depressa numa árvore bem alta, e ficou lá em cima, quieto, imóvel, para ver o que era aquilo.
Os berros foram se fazendo ouvir cada vez mais perto, até que ele pôde testemunhar um espetáculo horrendo, que quase o põe louco de terror. Um Mapinguari, aquele macacão enorme, peludo que nem um coatá, de pés de burro, virados para trás, trazia debaixo do braço, o seu pobre companheiro de barraca, morto, esfrangalhado, gotejando sangue.O monstro, com as unhas que pareciam de uma onça, começou a arrancar pedaços do infeliz e metia-os na boca, grande como uma solapa, rasgada à altura do estômago, dizendo em altas e terríveis vozes:
"No domingo também se come!"
Assim, o seringueiro viu a estranha fera engolir o infeliz caçador. E lá foi a besta horrenda pela mata, urrando num tom de voz que fazia estremecer até as próprias árvores, que dizia:
"No domingo também se come..."
[2] Um dos principais e mais atuantes pesquisadores do nosso Folclore. Homem inteligente, falava francês, inglês, alemão, italiano, tupi e numerosos dialetos indígenas. Foi quem iniciou os estudos folclóricos no Brasil, publicando O selvagem (1876), e Ensaios de antropologia (1894), entre outros.
[3] Antônio Gonçalves Dias. Consagrado escritor brasileiro. Sua obra pode ser enquadrada no Romantismo. Procurou formar um sentimento nacionalista ao incorporar assuntos, povos e paisagens brasileiras na literatura nacional. Ao lado de José de Alencar, desenvolveu o Indianismo. Por sua importância na história da literatura brasileira, podemos dizer que Gonçalves Dias incorporou uma idéia de Brasil à literatura nacional.
[4][5] Mário Guedes - Os Seringais, Jacinto Ribeiro os Santos, Editor, 2º milheiro, p. 221. Rio de janeiro, 1920.
[6] J. da silva Campos (na coletânea de 81 contos populares) em Folclore no Brasil - de Basílio Magalhães, Rio de Janeiro, Livraria Quaresma, p.321. - 1928.
Nota de Copyright ©
Proibida a reprodução para fins comerciais sem a autorização expressa do autor ou site.