Autor: Ester Cartago[1]
Conteúdo Atualizado: 16 de Julho de 2024
Observação Importante: Quando usamos a Expressão "Os Pais", estamos nos referindo aos dois Gêneros, e não apenas ao Gênero Masculino.
Saindo do lugar comum que é a indiferença, seria um gesto promissor se as famílias se preocupassem com as predisposições dos próprios filhos, com o mesmo grau de interesse que demonstram quando se ocupam em avaliar os comportamentos dos filhos dos outros, ou as futricas da vida alheia. Deixando de lado as desculpas, o fato é que apenas eventualmente paramos para conhecer mais de perto nossos filhos. E na maioria das vezes o contato ocorre de maneira involuntária, já que pais e filhos, num primeiro momento, por uma contingência natural, tendem a compartilhar um mesmo espaço de convivência.
No entanto, conhecemos os gostos e preferências dos nossos amigos, ou mesmo de desconhecidos. E com estes “estranhos” partilhamos ideias, projetos, preferências, livros e confidências. Mas, e com os mais próximos, a exemplo dos nossos filhos, será que o nível de relacionamento e a motivação estão no mesmo nível?
A família muitas vezes é um núcleo fechado e isolado do resto do mundo. Constituímos uma mesologia doméstica com ideologias e regras próprias, a exemplo de um templo com acesso privado, e apenas eventualmente comungamos algumas destas diretrizes particulares com outros núcleos.
Na maioria das vezes o convívio externo limita-se às atividades sociais obrigatórias, reuniões de interesse comum ou demais situações que não representem ameaças de invasão ao nosso gueto, ou espaço sagrado. Ainda assim é um contato dissimulado, um hábito social instituído, uma espécie de linimento capaz de acalmar nosso tédio. E todos estes hábitos sociais, já herdados por nós de nossos ancestrais, também iremos repassar integralmente, naturalmente incrementados com alguns retoques pessoais, aos nossos filhos.
Se nosso modelo de mundo é patológico, as crianças, desde cedo, deveriam ser conscientizadas deste fato. Deveriam receber a má ou boa nova diretamente de fontes confiáveis, a exemplo dos pais. O mundo fora de casa tende a ser competitivo, cruel, injusto, nosográfico, graças à massa de indivíduos que, em casa, também nunca receberam dos pais a educação preliminar correta, e neste caso, não existem outros culpados.
Uma coisa é certa. Sabemos bem o que ensinam as escolas, pois também um dia já passamos por lá. Anos a fio, cumprindo horários rígidos, brincando de responder questionários, sonhando com um futuro mágico situado em um mundo de Faz de Contas. Conhecemos toda rotina escolar e também seus limites e gargalos. Conhecemos sua notável ineficácia como modelo educativo. Ensinar a pensar por conta própria e a desenvolver um senso crítico mais alinhado com a realidade, esta nunca foi uma proposta acadêmica.
Com o tempo o mundo se transformou, tornou-se mais sofisticado e complexo. Hoje A tecnologia é capaz de nos proporcionar uma qualidade de vida dantes impensável, e logo, graças aos avanços da medicina, o homem tricentenário será coisa banal. Entretanto, psicologicamente, o homem atual não é diferente do homem primitivo.
Ele permanece angustiado e em conflito; continua medroso em relação ao seu futuro. Podemos ver que os conflitos só se agravam, apesar do suposto esforço das autoridades sociais em tentar lapidar à força o caráter do homem para que se torne mais justo, menos impiedoso, insensível e competitivo.
Como fomos educados pelos nossos pais e professores? Será que desde cedo nos ensinaram a lidar com os problemas existenciais do homem, ou nunca fizeram isso? E qual terá sido o papel da escola em nossas vidas? O que aprendemos lá durante todos aqueles longos anos de inevitável calvário acadêmico?
Para qualificar um indivíduo e deixá-lo apto a exercer uma atividade no mercado de trabalho seria mesmo necessário tanto tempo dentro de salas de aula? Não é este o atual papel da escola, preparar o aluno para o mercado de trabalho? E todo aquele tempo perdido, terá sido usado de maneira verdadeiramente produtiva e útil?
Será que não passamos tempo demais acumulando conhecimentos sobre coisas inúteis e absolutamente sem utilidade para nossas vidas, deixando de lado ou simplesmente ignorando ensinamentos que, certamente, nos poderiam ser muito mais úteis?
Afinal de contas, algum daqueles docentes nos orientou sobre a maneira correta, ou mesmo paliativa, de como resolver conflitos e superar angústias pessoais? E sobre as vicissitudes da vida, por quanto tempo nossos pais esconderam de nós o que julgavam impróprio? Por acaso feiúra e beleza não são partes integrantes da realidade de todos os povos? Por que insistem em mostrar para nós uma ilusão dos Contos de Fadas e intencionalmente nos escondem a verdade do sofrimento e calvário humano?
Foi justo aprendermos na rua, de modo muitas vezes deformado, dramático, equivocado e impróprio, mesmo tendo em casa ou na escola pessoas capazes e qualificadas já conhecedoras de todas estas nuances bizarras? Será que com um mínimo de boa vontade não nos teriam poupado de grandes e desnecessárias frustrações, tropeços ou desvios?
Talvez, cientes da realidade, fossemos jovens mais prudentes, atentos e interessados em mudanças, e não, a exemplo dos adultos, especializados apenas em se solucionar seus problemas e conflitos com remendos mal feitos. Adultos mais capacitados a resolver os problemas da vida.
Cientificados antecipadamente sobre os riscos do terreno no qual iríamos adentrar, talvez tivéssemos nos tornado mais prudentes, responsáveis, disciplinados e organizados. Sabendo que o mundo é cruel e injusto, não nos tornaríamos simples replicadores de suas patologias sociais, fosse por ignorância, omissão, acomodação ou simples preguiça.
Informados desde cedo dos problemas que teríamos pela frente, também reservaríamos mais tempo para a autoqualificação e reflexão. Revogada a visão romântica do mundo, estaríamos de olhos mais abertos à realidade, sem aquela visão de um turista que ora está frequentando uma remota e exótica colônia de férias em uma localidade situada em um recanto qualquer do Reino dos Contos de Fadas.
Refletindo melhor, vamos perceber que, com nossos filhos, verdadeiramente, pouco nos importamos. Outorgamos essa responsabilidade a terceiros; ao mundo. Limitamo-nos a supri-los materialmente segundo nossos padrões orçamentários, o que inclui a chamada educação básica ou obrigatória.
Raramente os pais têm interesse em saber o que as escolas ensinam, ou deixam de ensinar, aos seus filhos, ou quem são seus professores, qual o seu perfil, competência ou caráter. Ao mesmo tempo, dentro de casa, nem um pouco se mostram interessados em descobrir quais são as dúvidas, gargalos pessoais e problemas existenciais destes filhos.
O viver é um movimento sujeito a variações permanentes, o que vai exigir do indivíduo uma grande simplicidade no agir e desenvoltura para assimilar seus métodos. E tudo isso requer uma mente jovem e flexível, pronta para se adaptar a este fluxo contínuo. Não tendo essa flexibilidade e dinamismo, nosso destino caótico já estará traçado de maneira determinista a partir do berço.
Assim, ainda que eventualmente, para os pais, seria um tremendo gesto de boa vontade, bom senso e consideração, compartilhar com seus filhos de suas próprias angústias e dúvidas existenciais. Mas só poderiam fazer isso através da aproximação, com o mesmo grau de interesse já dispensado aos seus amigos de fora. Apenas este tipo de interação é capaz de criar laços consistentes de amizade e companheirismo; não há outra forma.
Aos menos experientes deveríamos mostrar as consequências das experiências mal conduzidas, o lado verdadeiro do ato inconsequente, das irresponsabilidades, assim como os possíveis desdobramentos negativos a partir de um ato insano.
Sensato seria inserir naquele mundo de Contos de Fadas no qual criamos nossos filhos, pelo menos os trços básicos, do lado feio da vida, assim como aqueles problemas ainda pendentes de solução. Afinal de contas, a vida como a conhecemos ainda é um conglomerado de ocorrências negativas e positivas.
Estará mais apto a sobreviver quem conhecer todos os caminhos e não apenas a alameda bem cuidada, perfumada e florida. Conhecendo desde cedo as dificuldades, mais tempo haverá para aprender sobre elas, e talvez, ao contrário de nós, que não tivemos esse tempo, oportunidade ou interesse, estes jovens previamente cientificados, acabem por encontrar uma solução, senão definitiva, pelo menos mais consistente, para os milenares problemas e dramas existenciais humanos.