Adaptação e Revisão: Alberto Filho[1]
Conteúdo Atualizado: 02 de Janeiro de 2025
"Se o adulto não é capaz de compreender como funciona o processo de condicionamento de uma criança, certamente irá deformar sua personalidade..."
Não, não lhe posso dar parabéns por uma situação que creio ser até grave. Uma menina de cinco anos que fala como gente grande, em tom de gente grande, que faz comentários sobre celebridades e escândalos sociais, que dá palpites sobre a vida alheia, acompanhado dos respectivos muxoxos... "Hum, sei não..."; sofisticada, preciosa e distante da realidade, é mesmo um caso digno de lástima.
Onde estão suas bonecas? Os seus brinquedos e tarefas infantis, coisas próprias de qualquer criança normal? Diz a senhora que ela prefere o vidrinho de esmalte e que já sabe cobrir de vermelho as pequeninas unhas – lamentável. Que ao invés de revistas infantis prefere as femininas adultas e que suspira virando os olhos ao ver e ouvir os astros famosos, aqueles já consagrados pela mídia.
É possível que a senhora não sinta a monstruosidade do que está permitindo, e não só permitindo, mas até estimulando? Então não lhe se apercebe a senhora que a pobre criança está sendo completamente deformada, alienada pelo seu egoísmo, perniciosa companhia e mau exemplo? Privando-a de ter amizades com outras crianças da sua idade, mantém a senhora a sua filhinha trancada no seu lindíssimo apartamento. A senhora é a sua companheira – uma "criança" demasiado crescida e igualmente mal educada – mas ao invés de integrar-se ao nível da menina, o que faz a senhora?
"Oh filhinha sente-se aí no divã, mas com elegância..." – parece mesmo que vejo a cena – "vou lhe contar o que foi a festa de ontem..." E patati-patatá, lá vai a senhora falando à menina como se o estivesse fazendo com uma pessoa da sua idade e nível de compreensão.
Quando as suas amigas visitam-na, sua filha escuta "edificantes" conversas. A princípio, de olhos esbugalhados e tìmidamente receptiva. Agora, entretanto, as experiências de tanto repetidas já a fazem sentir-se como alguém do mesmo grupo e preferências e, foi não foi, lá sai uma das suas... A senhora, claro, orgulhosa com tamanha “esperteza”, ainda realça o feito e as suas amigas, em coro, acham que a garotinha "é formidável", que "promete", e assim por diante.
Tudo é profundamente triste; sinto muito. Se os pais fossem educados, gerariam filhos educados... Esta é uma sentença dum moralista. É um verso de Goethe.
A senhora não gosta de crianças barulhentas, "infantis." Adora o ar de madureza que sua garotinha ostenta; o seu jeitinho de manter a cabeça erguida e ligeiramente inclinada para a esquerda, o seu preciosismo, sei lá o que mais; e veste-a com miniaturas dos seus próprios vestidos, com cópias dos seus pijamas, da sua camisola; como se ela fosse a senhora em miniatura.
Mas o que na realidade acontece é que a senhora adora a si própria, e o seu narcisismo é tamanho que lhe impõe "ver-se na sua própria filha." A senhora se enternece como se estivesse vendo a si mesma: daí ter transformado a sua menina numa cópia anímica da sua própria pessoa, incutindo-lhe todos os seus defeitos, caprichos, manias; o seu ar de gata de alta linhagem que não dá muita "bola" a quem quer que seja. E eliminando da vida de sua filha todos os vínculos adequados à sua fase infantil, lhe está a senhora impondo uma falsa maturidade, violentando a natureza e tentando artificialmente suprir aquilo que só o tempo é capaz de fazer.
As consequências dessa sua estúpida atitude não tardarão a aparecer. Então dirá a senhora que sua filhinha "também" sofre dos nervos, assim como a senhora já é “atacada” – na verdade uma pilha – e, como a senhora, ela terá então o "seu médico," e tudo caminhará na forma da rotina.
Escute aqui: reeducá-la aos 35 anos de idade vai ser muito difícil, e muito mais ainda porque a senhora não tem a menor intenção de assim proceder. Não, isto não é uma "Mania de Perfeição", na verdade está longe disso, o que, como extremo oposto, seria igualmente condenável. Mas com a senhora tudo tem que ser 8 ou 80? Não existe uma maneira de afastá-la do exagero que cerca sempre todas as suas decisões? Sugiro que pare com a deformação que vem impondo à sua filha. Não que as coisas se modifiquem logo em seguida. Acredito mesmo que a senhora estragou definitivamente a criança.
Pode-se, entretanto, tentar atenuar o mal que já foi feito. Leve ela a um Jardim da Infância, uma sala de aula de educação básica, promova sua aproximação com outras meninas; dê-lhe brinquedos próprios de sua idade e, pouco a pouco, quem sabe, pode ser que a situação se corrija. Na verdade você não precisa privar-se de suas “reuniões” sociais onde a vida alheia, assim como as torradas com chá, é o prato principal.
Evite, no entanto, que sua filha participe desse massacre de reputações, assim como dos comentários maliciosos, e não abra a boca, na sua presença, para destilar as suas costumeiras frases dúbias ou as mais recentes gírias que tanto cultua. Considere que seu dever é educar sua filha. E isto que vem fazendo, definitivamente, não é educar.
Não, a senhora também nunca foi devidamente educada, e tudo é tão artificial na sua própria personalidade que lhe parece absurdo ser natural, simples e espontânea. Mas se o amor de mãe ainda existe em seu coração, então reflita que deve colocar o destino da sua filha acima do seu e fazer por ela o que seus pais, infelizmente, nunca fizeram por você.