Autora: Anne Marie Lucille[1]
Conteúdo Atualizado: 14 de Julho de 2024
Tolice é negar nossos receios, especialmente quando estão no controle das nossas emoções. São temores pessoais, coletivos, inconscientes. E há um incontável número de qualificações, conceitos, tratados, gabaritos e denominações para tentar categorizar ou rotular cada um deles.
Mas, conhecer as causas dos nossos temores, novos e velhos, não resolve, nem explica o problema do medo. A causa é uma coisa, o sentimento, sensação ou o efeito psicológico do medo é outra. As causas, estas podemos evitar; o sentimento ou a sensação de medo, aparentemente não. E embora conheçamos as inúmeras causas dos nossos medos, aparentemente quase nada sabemos sobre a dinâmica do mecanismo, ou gatilho, que os tornam tão ativos e nos provocam tantos efeitos emocionais desagradáveis, e muitos deles traumáticos.
Num primeiro momento, quando avaliamos as causas dos nossos medos, fica evidente tratar-se de uma condição onde nossa estabilidade física ou emocional está sob ataque de alguma força sobre a qual não temos controle. Mas, podemos constatar que se trata de algo que se opõe à harmonia dos nossos hábitos ou rotina.
Entretanto, o objeto causador do medo não é o medo, mas apenas a circunstância ou meio pelo qual o estado medo toma forma e se autoexpressa. Assim, usando esta conexão como via de acesso, irá emergir dos recantos profundos da nossa psique, e com seus efeitos indesejáveis se apoderar do nosso corpo emocional.
Em sua incansável busca por uma satisfação duradoura, aquilo que mais aflige o homem é o desejo por segurança. Por outro lado, vivemos o permanente drama da escolha, uma condição onde nosso equilíbrio e estabilidade estão sob constante fogo cerrado. Há o processo de escolha para tudo: Que caminho devemos tomar para ir ao trabalho; qual a melhor hora, qual a melhor roupa, qual o melhor transporte.
O ato de escolher é sempre uma condição conflituosa. Escolho porque tenho as opções. Escolho porque estou confuso. Escolho porque desejo o melhor dentre as alternativas disponíveis. Desejo enfim, garantia de satisfação. E quando se busca garantia em alguma coisa é porque não há garantia em coisa alguma. É porque há a possibilidade de que aquilo não se concretize ou perdure o tempo que julgamos necessário. E assim surge o sentimento de insegurança, uma das formas primárias do medo. Medo de perder o que já conquistamos; medo de não conseguir, medo de quebrar a rotina ou das mudanças, medo de não ser ninguém.
O nosso instinto básico de autopreservação nos diz para evitar qualquer situação capaz de por em risco nossa integridade física ou equilíbrio emocional. Esta condição, comum até entre as plantas, não foi criada pelo pensamento, e também não depende de conceituações, opiniões, pragmatismos sectários ou acadêmicos. Trata-se de um processo espontâneo. Significa dizer que nossos sentidos estão preparados, desde o berço, para se comportar desta maneira.
Por isso as experiências negativas são memorizadas como objetos indesejáveis. A lógica é simples: um erro deve servir de referência para os acertos, nunca de referência para novos erros. Memorizada a experiência, teoricamente, estaria resolvido o problema.
Nenhum evento poderá estar dissociado do seu objeto ou causa motivacional. Há sempre um objeto que nos conecta diretamente a qualquer situação ou problema vivenciado, cujo resultado seja capaz de nos proporcionar insatisfação ou prazer, não importando sua natureza.
Quando temos receio de alguma coisa, o fato de ter consciência deste receio, o que significa estar ciente da nossa relação com aquele objeto, não resolve o problema. Temos medo de muita coisa, e, infelizmente, a lista com todos os nossos medos é de tamanho desconhecido.
Medo do fracasso, medo de não agradar nosso cônjuge, medo da obscuridade existencial. Ter consciência destes medos, infelizmente não ajuda no processo de superação dos seus efeitos psicossomáticos.
Ocorre que nosso pensamento está contaminado, condicionado pelo princípio da crença, sob o domínio de tratados e dogmas milenares. Ele dificilmente duvida de alguma coisa; nunca questiona, investiga ou explora a fundo a veracidade ou consistência dos supostos fatos por trás de cada coisa, inclusive de suas próprias ideias, ideais, necessidades e “certezas mais consistentes”.
Mas, afinal de contas, o que é o Medo? Será um estado emocional, um mecanismo de origem natural do qual, incondicionalmente, foram dotados todos os seres vivos, ou algo apenas racional, uma exclusividade humana?
Nos animais irracionais, e também em nós, existe a condição instintiva da autopreservação. Mas esta não é medo, uma vez que não pode ser racionalizada, calculada, medida, conscientemente avaliada. Não sendo possível de ser racionalizada, não podemos considerar como medo. O medo sempre vai demandar uma causa, motivo, assim como os respectivos efeitos conscientemente definidos.
No caso do animal irracional, existe apenas o ato involuntário e instintivo de autopreservação em ação, o que poderíamos chamar de prudência existencial. É temida, mas na ausência das causas, não provoca pânico nem efeitos emocionais, ao contrário do homem, que sofre de véspera, mesmo na ausência dos motivos.
Já o medo psicológico, aquele vivenciado pelos humanos, é uma condição essencialmente racional e emocional, uma vez que depende de um motivo conhecido; depende da lembrança de algo capaz de nos causar algum dano.
Assim, o nosso problema é o medo psicológico. Este não é dependente de uma ameaça concreta, nem de causas aparentes. Foi criado pela imaginação, com base em suas memórias, experiências do passado, deduções, alienações, crenças, estatísticas, sugestões.
A essência deste medo está centrada na imprevisibilidade, na expectativa pelos resultados imaginários. Temos medo das consequências, por isso somos tomados pelas emoções. O pensamento fica confuso, não sabe lidar com uma situação de temor imaginário, algo que seja incapaz de tocar, que esteja fora do seu alcance, e assim dele se esquivar.
Motivo pelo qual, desesperado, busca em seu banco de experiências pessoais respostas prontas, uma solução rápida capaz de não tirá-lo de sua zona de conforto; um modo confortável de não comprometer seu prazeroso tempo ocioso, ou rotina. Mas, o que pode parecer adequado ou sensato para uma mente confusa, desorientada, emocionalmente tomada pelo iminente pavor imaginário de perder alguma coisa?
Este é o problema de uma mente enclausurada pela força dos costumes e tradições. Um cérebro condicionado nunca aprendeu a pensar, a questionar, a duvidar, e por isso prefere fazer o que todo mundo já faz, ou seja, imitar. Está repleto de crenças e se recusa a refutar a veracidade de qualquer coisa, especialmente suas certezas. Deixou de ser curioso, tornou-se irracional; acredita que seus temores imaginários são reais, a exemplo de todo seu imenso acervo de convicções pessoais.
Descobrir do que temos medo só tem valor se também estivermos dispostos a descobrir porque o temos. E descobrir por que temos medo de alguma coisa só tem valor se estivermos dispostos a compreender este medo. Compreender por que ele, mesmo sendo, na maioria das vezes, apenas uma condição imaginária, é capaz de nos abalar emocionalmente de maneira tão dramática, brutal.
Mas, somos preguiçosos e acomodados por natureza; nunca queremos nos aprofundar nos motivos patrocinadores do efeito medo. Isso exige esforço, mudanças em nossas crenças pessoais e paradigmas existenciais. Além disso, os motivos poderão revelar traços de nossa conduta que preferimos ocultar, esquecer, ignorar. Compreender tudo isso pode nos conduzir ao eixo central do verdadeiro problema.
Durante o autoexame dos nossos medos, fundamental será examinar quais são as possíveis conseqüências ou malefícios que me afligem. Precisamos avaliar o que é racional, lógico, verdadeiro. Meus temores estão ancorados em fatos, evidências concretas, ou têm como base apenas ideias, conjecturas, crenças dogmáticas, opiniões, minha ignorância, mitos ou fantasias imaginárias criadas a partir de um pré-condicionamento patológico?
Se não me sinto capaz de assumir responsabilidades, preciso me perguntar qual é o verdadeiro motivo dessa insegurança. Deve existir algum receio; uma consequência capital que me atemoriza. Esta consequência põe em risco minha integridade física, está amparada por fatos, é coisa real, comprovada, inevitável, irremediável ou insolúvel? Comuns são os casos dos problemas insolúveis que se resolvem apenas com uma simples mudança de paradigmas em relação ao mesmo.
Para toda insegurança há sempre um motivo. Procurar meios de mascarar minha insegurança não resolve o problema. Preciso constatar se ela é real, e o mais importante, reconhecido o problema, aceitar que o tenho. Admitir uma fraqueza pessoal ou falha não é uma evidência de insuficiência ou inferioridade, mas de humildade e coragem, um caminho natural para a cura. Além disso, como posso remediar uma doença se não sei sequer descrever os sintomas? Muitas vezes temos medo apenas de situações ou condições que para nós são desconhecidas.
Com a descoberta dos motivos e reconhecimento dos meus limites, pontos fracos ou falhos, enfim, serei capaz de ir além deles. Mas o Ego humano é vaidoso e reluta em reconhecer seus pontos fracos, limites e incapacidade; sem contar que detesta situações que se oponham à sua rotina e sejam capazes de ameaçar velhos e já consagrados hábitos. Tudo que foge à rotina, para o Ego, é sempre motivo de medo.
Os efeitos psicológicos de todos os nossos medos estão centrados em um ponto: Nosso sentimento de incapacidade ou impotência para resolver uma questão. Buscar alternativas, ou mesmo abrir mão de algumas convicções ou falsas necessidades, pode ser um caminho inteligente. Lembre-se, uma mente atemorizada se torna estreita, limitada na forma de pensar; cega, inflexível na hora de buscar uma saída. E uma doença sem um diagnóstico preciso é um mal para o qual não existe cura.