Autor: Alberto Grimm[1]
Atualizado: 21 de Maio de 2022
Acordou assustado com os latidos do cachorro. Em seguida, o cão deu um longo e amargurado uivo, depois começou a latir com vigor. Pulou da cama como se impulsionado por uma mola, correu para a cozinha, abriu devagar uma pequena fresta na porta que dava para a parte de trás da casa, e com cuidado, olhou na direção da casinha do cachorro que ficava lá num cantinho, encostada no muro, nos limites do fundo do quintal, para ver se era capaz de enxergar algo de anormal; algo que justificasse todo aquele alvoroço do animal.
Nada, não viu nada. Mas, o cachorro pareceu vê-lo, pois olhou em sua direção e começou a acenar a cauda com exagerada alegria. Criou coragem, abriu a porta, e na ponta dos pés, olhando para todos os lados, foi até lá conferir de perto.
Lá chegando, o percebeu inquieto, agitado, querendo a todo custo soltar-se da corrente. O ambiente estava silencioso demais, sem brisa, e nem o pequeno Bacurau, inquilino de longa data daquele perímetro, a julgar pela ausência dos seus pios com os quais já se acostumara, naquele dia cumpria seu tradicional plantão.
Olhou em volta apreensivo, e cismado, resolveu levar o cachorro para dentro da casa. O animal parecia contente com aquele gesto, e também tinha pressa em entrar logo. Puxava a corrente com força, e só ficou quieto, quando já dentro de casa, viu que a porta da cozinha fora trancada.
Certamente que o pequeno animal vira alguma coisa estranha, ou não estaria agindo daquela forma; não era do seu feitio. Observou como ele parecia agradecido por ter entrado, e foi recostar-se num cantinho próximo ao fogão, meio escondido, encolhido, e de lá o fitava nos olhos, como se quisesse lhe dizer alguma coisa.
Então apagou as luzes e permaneceu atrás da porta, olhando por uma discreta fresta na porta, para o lado de fora. Era noite clara, mas estranhamente silenciosa. Nem os ruídos dos bichos noturnos se ouvia. Certamente que tinha alguma coisa errada por ali. Sua imaginação entrou em ação, e já iniciou sua frenética jornada em busca de alguma coisa fantástica para ilustrar de maneira digna a situação. Era apenas uma questão de tempo, pois certamente ela acabaria por encontrar algo que, se não explicasse o fato, cuidaria de deixá-lo no mínimo nervoso.
Foi quando escutou lá fora um barulho, como o trote de um cavalo. Depois um ruído que se assemelhava a alguém, ou um animal de grande porte, se coçando furiosamente. Até aí tudo estava bem, não fosse a horripilante gargalhada que ouviu em seguida. Sentiu suas pernas fraquejarem e o sangue gelar. Depois um longo arrepio percorreu todo o seu corpo, deixando seus pelos eriçados como duros espinhos.
Pronto, era o material adicional que sua imaginação precisava para dar cor, forma e até um motivo capaz de explicar a presença daquilo, seja lá o que fosse, que estava lá fora. Só podia ser algo monstruoso, um demônio, ou coisa pior, se é que isso era possível. Que soubesse, animal algum andava como se fora um cavalo, especialmente gargalhando. Mas, a questão agora era: Caso fosse verdade, o que tamanha e tão bizarra aberração estaria fazendo logo no quintal de sua casa?
Esperou que a suposta besta entrasse no campo de visão que lhe permitia a pequena fresta na porta, e nesse momento, quase que seu coração salta pela boca, pois o cachorro, subitamente levantou do seu canto e partiu latindo e rosnando ferozmente em direção à porta. Ele se agarrou com o animal, e tapando com podia sua boca, voltou a observar pela fresta, tentando entender o que estava acontecendo lá fora.
Então, aquilo, o que quer que fosse, começou a cheirar vigorosamente a porta. Nos seus braços, o cachorro tremia mais que ele, e vez por outra, tentava se soltar para ir se esconder em outro lugar, de preferência em outra dependência da casa.
E a coisa lá fora, permanecia diante de sua porta. Respirava como se fosse um grande animal, inquieto, ofegante, alternando horripilantes roncos e bafejos. Ele ficou tentado visualizá-la pela fresta, mas seu corpo não mais obedecia à sua vontade. Começou a imaginar o que poderia ser a tal criatura. Pelo vulto que vira, tinha certeza de que não se tratava de um cavalo, mas, o ruído dos seus passos certamente eram de cascos. Então, de repente, aquela estranha besta recostou-se à sua porta, onde começou a esfregar-se furiosamente.
Pouco depois, sentiu o bafo quente da sua respiração soprando pela fresta de baixo da porta, e um ruído como se fossem unhas, longas e fortes como garras, riscando a madeira. Percebeu que, seja lá o que fosse aquela coisa, estava olhando pela discreta abertura abaixo da porta, vasculhando o interior da casa. Ele por sua vez, estava completamente petrificado, colado à parede ao lado da porta, imóvel e sem respirar. E do outro lado, o estranho visitante, bufava pelo nariz e boca, enquanto arranhava a porta grunhindo, provocando pavorosos resfôlegos.
Passados alguns instantes, a julgar pelos ruídos, começou a caminhar lentamente, trotando como fosse um cavalo, se afastando da porta. Foi então que, num ímpeto de coragem ou loucura, ele resolveu olhar através do buraquinho da fechadura, tentando fazer uma varredura visual dos fundos do quintal da casa.
E, lá no meio do seu quintal, inicialmente de costas para ele, pode enxergar um vulto, que mais parecia uma figura humana. Era esguio, de compleição atlética incomum e enorme. Seus braços longos, ágeis, com movimentos bruscos como que guiados por impulsos elétricos, mais pareciam tentáculos metálicos. Vestia uma longa capa preta com um chapéu de abas largas e copa alta. Ficou tão nervoso, que seus olhos embaçaram.
Esfregou os olhos, e ao focar outra vez o olhar para fora, quase cai de costas com o que viu. A aparição, seja lá o que fosse, imóvel, olhava na sua direção como se soubesse que ele estava ali, escondido atrás da porta. Em seu horrível, pálido e indescritível rosto de aspecto maligno, um sorriso largo e brilhante era visível.
Enquanto se benzia várias vezes num ritmo frenético, pensava consigo mesmo: “Que diabos significa isso? Que espécie de criatura é essa? Será que me viu? Será que sabe que estou aqui?” De fato, seus pés eram como cascos de cavalo, e nas extremidades de suas mãos, dedos longos com enormes e afiadas garras se moviam inquietas com se tivessem vida própria, a exemplo de uma gigantesca e faminta ave de rapina, diante da caça a ser abatida. Olhou outra vez, e a coisa realmente olhava em sua direção, com um sorriso nos lábios, que exibiam fileiras de branquíssimos pontiagudos e enormes dentes, de um predador implacável.
E como que, para confirmar seus temores, a incomum criatura fez um gesto com a enorme mão direita espalmada em sua direção, como se pedisse para esperá-lo, deixando claro que sabia estar sendo observada, por alguém que estava do outro lado da porta.
Urinou-se todo, e em sua garganta, a sensação de que estava entalado com um objeto pegajoso, de uma consistência quase sólida, poroso, áspero, que não subia nem descia. Sentiu falta de ar e começou a suar frio, seus olhos não piscavam, suas pernas não mexiam, perdera completamente a coordenação voluntária de todos os músculos do corpo. O cachorro, aproveitando-se da sua súbita incapacitação, desaparecera casa adentro aos ganidos.
Então, ouviu que a coisa lá fora se aproximara da porta num rápido galope, e começou a forçá-la. Depois, começou a bater com exagerada violência na madeira. Nesse momento, com o pouco da coordenação motora que ainda restara aos seus olhos, foi capaz de perceber que as dobradiças da porta, estavam aos poucos cedendo.
Mas, ali, recostado à parede, completamente indefeso, sem forças sequer para gritar, a última coisa que viu foi quando os pedaços de madeira da porta, totalmente destroçada, foram arremessados com extraordinária violência para dentro da casa.
Acordou assustado com os latidos do cachorro. “Nossa, felizmente tudo não passou de um terrível sonho, um grande e aterrador pesadelo...”, sussurrou aliviado, mas, ainda entorpecido sob efeito do indescritível temor que sentira.
Em seguida, o cachorro deu um longo e amargurado uivo, depois começou a latir com vigor...
Pulou da cama como se impulsionado por uma mola, correu para a cozinha, abriu devagar uma pequena fresta na porta que dava para a parte de trás da casa, e com cuidado, olhou na direção da casinha do cachorro que ficava lá num cantinho, encostada no muro, nos limites do fundo do quintal, para ver se era capaz de enxergar algo de anormal; algo que justificasse todo aquele alvoroço do animal.
Nada, não viu nada. Mas, o cachorro pareceu vê-lo, pois olhou em sua direção e começou a acenar a cauda com exagerada alegria. Criou coragem, abriu a porta, e na ponta dos pés, olhando para todos os lados, foi até lá conferir de perto.
Foi aí que se lembrou de já ter visto aquela cena...
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Alberto Grimm - albertogrimm@gmail.com
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Holística e Consciencial. Os Contos Reflexivos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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