Autores: Ester Cartago e Anne Marie Lucille[1]
Conteúdo Atualizado: 14 de Julho de 2024
Observação Importante: Quando usamos a Expressão "Os Pais", estamos nos referindo aos dois Gêneros, e não apenas ao Gênero Masculino.
Por que o mundo das crianças criado pelos adultos está situado numa espécie de reino ou bioma localizado numa região imaginária o mais distante possível da nossa realidade, um espaço repleto de fantasias e dramas míticos, cujos inquilinos são entidades que em nada se assemelham às pessoas reais, não temos como saber.
Mas, sabemos que há incontáveis gerações assim tem sido. É a conduta aceita como modelo cognitivo perfeito, autenticada e legitimada pela pedagogia de nossa civilização, e homologada pelas academias de educação, especialistas, cientistas sociais, apóstolos ideológicos, ministros e gurus doutrinários de todas as nuances.
Trata-se de um mundo utópico, de faz de contas, onde as distorções não existem e os problemas e dilemas humanos estão ausentes. E ali naquele mundo de faz de contas, os sonhos se concretizam sem depender do esforço pessoal, e apenas as coisas que dão certo são dignas de referência. E naquele reduto onde a realidade é totalmente ignorada, onde o mal é retratado como uma palavra vulgar cujo sentido passa longe do seu verdadeiro significado, o idealismo e a fantasia dos chamados Contos de Fadas predomina.
Os Contos de Fadas, como nós os conhecemos, ganharam status e importância na baixa Idade Média, ou Idade das Trevas, em meio à repressão religiosa e injustiças sociais praticadas pelos governantes déspotas. Embora desconheçamos sua origem, naquela época tomaram a forma que se manteve íntegra até os nossos dias.
E tudo isso graças aos devaneios de alguns escritores, cuja intenção era entreter um público carente de sonhos, sufocado, encarcerado e esmagado pela tirania dos costumes daqueles tempos e falta esperança em dias melhores. E desde o princípio sempre foi uma deliberada concepção surreal, uma fuga à realidade opressora; uma fantasia libertária que logo, no imaginário de cada um, se tornaria um sonho capaz de se realizar.
E está é a base de nossa pedagogia. E só resta à criança, à revelia da sua vontade, absorver essa tradição. Mas, vivemos em um mundo de constantes desafios, imersos em disputas e conflitos sem fim, onde os problemas e as múltiplas atividades preenchem todas as horas do nosso dia, exigindo a cada espaço de tempo um indivíduo mais flexível, qualificado e determinado. E por trás de tudo isso, há a entidade humana, confusa, caótica, contraditória, e sem um sólido objetivo de vida à sua frente.
Quando insinuamos aos nossos filhos a existência de um mundo imaginário – para eles isso é coisa real – onde todos, a partir da evocação da vontade são capazes de vivenciar sonhos impossíveis, estamos também afirmando que a aventura humana com seus conflitos, dramas e frustrações não passa de uma miragem. E nas entrelinhas, estamos sugerindo que o esforço pessoal para se atingir objetivos é uma prerrogativa desnecessária, enquanto que a passividade, acomodação e preguiça são qualidades desejáveis.
Para enfrentarmos um mundo cada vez mais inóspito e conflituoso, precisamos redobrar nossos esforços. Soluções nunca são respostas espontâneas ou involuntárias, e sempre demandam disciplina, organização, qualificação e um desmedido esforço pessoal. E diante de problemas milenares que se perpetuam através de gerações, precisamos de novas abordagens e não de velhos paradigmas e antigas ilusões.
E esta é sem dúvida uma abordagem que se torna impossível quando continuamos sob jugo de um modelo acadêmico tirado dos Contos de Fadas, onde um homem passivo sonha com as soluções que virão de fora a partir da vontade de alguma entidade cósmica ou condão mágico, sem demandar esforço algum de sua parte.
E eis o grande problema das crianças ou jovens educados sob a unção dos Contos de Fadas. Depois de crescidos, nunca esquecerão completamente seus sonhos infantis, onde diante de uma crise, uma fada ou entidade mística, com sua varinha ou anel mágico, se prestaria a resolver todos os seus problemas. É difícil esquecer tamanha fantasia, especialmente quando estarão diante de promessas semelhantes a aquelas que já preconizam suas atuais Crenças, Ideologias ou Correntes doutrinárias.
No entanto, mais tarde, agora no papel de adultos, irão enfrentar problemas concretos, questões sérias que nunca fomos capazes de erradicar. Assim, conhecer desde cedo todo drama humano, o autêntido e não o de faz de contas, talvez fosse o caminho mais lógico e inteligente para ensiná-los a lidar com essa trágica realidade. Cientificados desde cedo, talvez tivessem mais elementos para decidir pela continuidade ou não desse caos, já que nós os adultos, por incompetência, preguiça crônica ou acomodação, desde tarde, nunca paramos para fazer essa escolha.
Para que uma criança ou jovem seja capaz de resolver seus conflitos do futuro, que são os nossos do presente, desde o princípio precisarão aprender a conviver com eles. Trata-se de um gesto de bom senso e respeito, caso tivéssemos algum. Assim, deveríamos lhes informar sobre os conflitos humanos e suas causas. Estas coisas eles deveriam aprender desde cedo, conosco, na segurança da nossa companhia, atenção, proteção e carinho.
Ignorar estas coisas é desprezar uma oportunidade ímpar de potencializar a cognição dos nossos filhos. Sem nosso aporte, será que as fontes irão buscar este esclarecimento são as adequadas? Entrarão no mundo a exemplo de indivíduos que adentram sem repelente em uma mata infestada por mosquitos nocivos, ignorantes, vulneráveis, suscetíveis de repetir nossos mesmos velhos erros.
Educar para a vida não seria ensinar como sair dessa complexa confusão da qual, embora não sejamos autores, atuamos como fiéis multiplicadores? Será que podemos viver sem conflitos e sem medos? Teremos, de fato, tal capacidade?
Acordar com lucidez significa simplesmente parar de sonhar. Parar de acreditar que Fadas ou Entidades Mágicas virão dos seus reinos numa espécie de cruzada divina, com o único propósito de transformar, por meio do seu encantamento, todo desarranjo criado por nós. Se acordarmos a tempo ainda há uma discreta chance de mudar. Despertos, temos a oportunidade de ensinar aos nossos jovens como construir. Na condição de não despertos, nosso modelo cognitivo é a destruição.
Crianças e Jovens precisam conhecer um pouco sobre a vida que terão pela frente. É fundamental que aprendam sobre seus próprios pontos fracos, suas possíveis falhas, limites e também as virtudes. Precisam saber que suas mães, periodicamente, quando sofrem bruscas mudanças em seu estado humoral, estão a passar por processos orgânicos naturais, que a moderna ciência chamou de Tensão Pré-menstrual.
Trata-se de um gesto dos mais simples e sensato, e capaz de evitar inúmeros conflitos internos com seus filhos, que por não compreenderem esta brusca mudança de temperamento, logo tiram conclusões equivocadas, e na maioria das vezes, irão considerar aquele estado de impaciência e intolerância como confronto ou birra pessoal, o que tende a afetar todo equilíbrio e harmonia dentro do microcosmo familiar.
Crianças e Jovens precisam saber desde cedo o que significa ficar velho, afinal de contas, isso também faz parte do seu provável futuro. Sendo a velhice um processo natural e fisiológico, involuntário, irreversível e inevitável, eles não poderão escolher e mudar seus destinos. Então, por que esconder deles essa condição como se fora uma espécie praga virulenta ou ocorrência abominável?
Poderia até ser uma maneira inteligente de criar entre jovens e idosos um maior vínculo de empatia, consideração e respeito. Isso decerto iria motivar uma maior aproximação entre os diferentes grupos etários, revertendo a óbvia indiferença dos jovens em relação à velhice, uma postura que em nossa civilização mais se assemelha a um costume social natural.
Educar para a vida contempla o lado hipotético seguido do imprescindível exemplo prático. É o teatro da vida, onde o conceito se transforma em conteúdo capaz de ser experienciado. Para que isso ocorra, o Princípio da Dúvida deve ser cultivado e depois introduzido na pauta cognitiva de cada jovem, e tudo isso desde as primeiras incursões, inclusive nas escolas.
Vale lembrar que, o processo de lavagem cerebral do mundo, com suas distorções e absurdos, começa cada vez mais cedo. Nossos filhos precisam demonstrar cada vez mais cedo uma predisposição natural ao questionamento. Se os pontos positivos do temperamento de cada jovem não são regados e reforçados desde cedo, sem liberdade para duvidar e investigar, nunca terão coragem para pensar fora da Caixa de Pandora dos costumes sociais[2], e efetuar as mudanças necessárias para colocar em equilíbrio suas vidas.
E ali, pelo resto dos seus dias, permanecerão passivos e resignados, a exemplo de nós, os adultos de hoje, sem objetivos concretos ou esperanças; amargurados pelas ilusões desfeitas, frustrados por tudo aquilo que, ao longo da vida, segundo nosso ponto de vista, com o endosso da cartilha social que determina nossos objetivos, controla e rege nossas vontades e sonhos, supostamente deixamos de realizar ou conquistar.