"O Cúmulo da Ignorância consentida é quando precisamos de justiça para nos obrigar a cumprir com nossos deveres..."
E embora possamos nos iludir com as aparências de vitrines cada vez mais requintadas e com isso acreditar que estamos avançando, psicologicamente, continuamos tão primitivos quanto nossos ancestrais das cavernas, quando os dias eram pontuados pelas superstições e o medo da noite.
Então, triunfalmente, surge em nossos dias o homem problema. Não um homem sujeito à ação dos problemas, mas um homem gerador de seus problemas, uma vez que, conforme demonstra, não mais é capaz de viver sem eles.
Mas, não porque sejam necessários ao nosso viver, e sim porque se tornou a principal engrenagem e o mais importante ativo social e financeiro da moderna civilização. E assim, além de se comportar como viga de sustentação para manter viva a estrutura social, os problemas põem em movimento as engrenagens econômicas e políticas de todas as nações desse mundo.
Por isso o esmerado esforço das instituições sociais, quando vão a campo, numa espécie de cruzada sagrada, cuidando para que os problemas nunca sejam erradicados, e sim, ao invés disso, renovados, multiplicados. E enquanto seus cientistas não encontram um meio para torná-los insolúveis, os gestores sociais se encarregarão de criar novas fórmulas capazes de fortalecer os antigos de modo que seus efeitos permaneçam sempre ativos.
Isso talvez explique o motivo pelo qual a maioria das soluções para os nossos problemas têm sempre como objetivo a criação de outros mais consistentes. Mas isso pouco importa, pois na mesma proporção em que são criados, há uma sofisticada máquina encarregada, não de tentar solucioná-los, mas de suavizá-los com sofisticados remendos, por definição, mal feitos, e como não poderia deixar de ser, intencionalmente feitos com materiais de segunda categoria.
E traçamos tantos desejos, metas e resoluções para nosso futuro, que logo a ideia de uma vida adicional para a conquista de tudo isso se mostra como uma proposta bastante atraente e ponderável. Enquanto isso, nossas preferências e carências mudam no mesmo ritmo das tendências do marketing e campanhas de varejo das grandes corporações ou grupos comerciais.
Quando avaliamos as causas de grande parte do nosso sofrimento psicológico, onde estão incluídas nossas tristezas ou alegrias, certamente que as carências consumistas não são novidades. E assim, como há o temor de que todos os nossos desejos não sejam supridos, há também o receio de se perder tudo aquilo que já conquistamos.
A sociedade nos oferece a possibilidade de sonhar com o que gostaríamos de ser e ter, e raramente de nos conformarmos com aquilo que verdadeiramente somos e temos. Ela nega que somos suficientes para nós mesmos; que podemos ser felizes com o factível; com as conquistas já consumadas. Pior é quando aceitamos a provocação da possibilidade da conquista do inconquistável, um potente combustível que alimenta e perpetua nossas maiores angústias e frustrações.
É fascinante a possibilidade da conquista do impossível; do sonho que nunca foi sonhado antes; da transformação do mundo onde vivemos de acordo com nossa vontade e feição, por meio da força, poder e competição. A competição nos induz a acreditar que demonstração de superioridade significa a destruição dos concorrentes.
E já na primeira infância, nosso temperamento é lapidado a partir de nossas emoções. Enfatiza-se o emocional e ignora-se o racional. O emocional potencializa o Ego, uma entidade virtual cujo Modus Operandi é a predisposição inata para classificar os verbos sempre na primeira pessoa.
Se somos insuficientes para nós mesmos, lá estarão os agentes do consumo com suas soluções mágicas, e o mais importante, com uma disposição ímpar para resolver qualquer frustração humana, a exemplo de uma espécie de cruzada filantrópica ou brigada santa que agora assume o papel de um guia capaz de nos colocar no caminho da felicidade.
Com as modernas técnicas de condicionamento em massa, cujo processo dominam com perfeição, irão nos guiar com o mesmo cuidado que teriam com seus bichinhos amestrados, no picadeiro de um circo. Cuidarão das nossas aspirações realçando todas as nuances do nosso querer; nutrindo nossa esperança no inalcançável. E a razão de tudo isso? Dar vazão aos produtos que saem de suas linhas de produção. Para as grandes corporações, o ato de vender tem a mesma motivação que teria uma dose de ópio para um viciado. O lucro é a menor das atrações, enquanto que a sensação de controle, sem dúvida, a mais relevante.
Soluções para qualquer problema existencial do homem é tudo que alegam ter. Mas se engana quem pensa que estão interessados em nossa qualidade de vida. Pelo contrário, seu interesse é criar mais frustração, dependências ou necessidades inexistentes. Razão pela qual o processo de lavagem cerebral, sempre feito de maneira discreta e silenciosa, começa tão cedo. É como o veneno que mata aos poucos, mas sempre proporcionando à vítima uma agradável sensação de bem estar após cada dose inoculada.
De olho no desejo não revelado que existe dentro de cada indivíduo de tornar-se importante, criaram um protocolo social conhecido como Status. Sua função dentro do marketing de vendas? Suprir essa grande carência humana, ou seja, criar os meios necessários para que o indivíduo seja capaz de conquistar e potencializar seu Pedigree Social ou força presencial de modo a se destacar em meio aos demais, e sempre a partir da ostentação. Um enquadramento apenas viável após a conquista de certos atributos ou símbolos possíveis de serem comprados.
Conhecedores profundos do tamanho do vazio existencial de cada homem, já que a maior parte desse repertório de angústias saiu de suas linhas de produção, reduziram a vontade de viver ao simples desejo de comprar, vir a ser, ter e acumular. Daí a importância da criação de objetivos móveis, voláteis, renováveis; metas desnecessárias, e evidentemente, intangíveis.
Ser útil é sentir-se livre; livre para fazer o que demandaria nosso discernimento, caso tivéssemos algum. Ocorre que não o temos. Nosso modelo de discernimento também é uma cria das centrais de condicionamento enclausuradas dentro de cada mesologia. Não há saída; sua influência ou tentáculos estão por toda parte, desde as prateleiras dos supermercados, até o interior dos locais destinados à nossa reflexão espiritual.
E o ato de refletir tornou-se coisa rara. Agora o sujeito é incitado a agir sem pensar, e por isso compra sem precisar, na ânsia de suprir necessidades que não existem. Sem objetivos de vida consistentes e verdadeiros, esse homem condicionado só é capaz de aspirar uma coisa: descobrir antecipadamente onde e quando ocorrerá a próxima grande liquidação de produtos com potencial para apadrinhar e elevar seu Status social.
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Alberto J. Grimm -
É Antropólogo, Publicitário e Escritor especializado em educação Holística e Consciencial. É também autor dos Contos Reflexivos. Os contos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorecem à reflexão.
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Alberto Silva Filho - É pesquisador das Ciências Cognitivas e orientador em educação infantil e adulta, inclusive da terceira idade, com especialização em Educação Integral. É também escritor de contos infantis e adultos e um dos colaboradores fixos do Site.
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