Autor: Anne Marie Lucille[1]
Conteúdo Atualizado: 16 de Julho de 2024
Em nossas mentes, há um modelo pedagógico que desde cedo cultua o ideal de que devemos nos tornar, não apenas profissionalmente bem sucedidos, mas também socialmente importantes, status diferenciados, e dentro do nosso meio, cidadãos respeitados, virtuosos, reputação ilibada e, acima de tudo, com um protagonismo digno de destaque.
Daí a idolatria aos grandes ícones ou vultos históricos, antigos ou contemporâneos, que nos compêndios midiáticos ou didáticos são usados como gabaritos, exemplos de coragem, virtude e sucesso. São os antigos e novos heróis que resistem ao tempo, e cuja suposta trajetória de vida servirá como referência para a construção de novas personalidades.
Cada sociedade existente não abre mão dos seus ícones e heróis, mesmo que nunca tenham existido. A ideia é usá-los como “espelhos” ou estereótipos no processo da criação e lapidação de condutas e comportamentos pré-estabelecidos, uma espécie de rédeas padrão para domesticar bárbaros, ou apenas como reforço para instigar e consolidar o sentimento de nacionalismo, culto a alguma ideologia ou obediência cega às tradições.
E assim é ensinado nas salas de aula o culto aos heróis. Eles são capazes de feitos extraordinários, impossíveis quando comparados aos homens comuns, daí o fascínio. E os eventos históricos ou contemporâneos retocados, uma prática comum e recorrente em todas as civilizações, servirão para realçar sua imagem.
É a veneração ao menino pobre capaz de superar obstáculos além da compreensão humana, que se torna poderoso e rico. Um vencedor e salvador dos fracos; um exemplo notável de conduta e virtude, o guia perfeito para os injustiçados e um símbolo digno de veneração; um perfil digno de ser imitado, aclamado ou reverenciado por todos.
Na mente de uma criança a comparação tem um impacto importante. Primeiro ela terá que abrir mão de sua própria personalidade e inclinações naturais para então incorporar os caracteres do “outro”. Além disso, muitas vezes ela sequer possui quaisquer dos atributos que favoreçam a clonagem daquele personagem idealizado pela história ou tradição.
Como Resultado, muitas vezes teremos pela frente um indivúduo assediado pelas frustrações, conflitos, autodesengano e uma exarcebada baixa autoestima, exatamente numa hora de grande vulnerabilidade e carência.
E graças a estes ídolos realçados pelo imaginário de cada um, uma gigantesca e bem estruturada mentalidade condicionadora, apoiada por uma poderosa engrenagem econômica e social, sobrevive, prospera, reforça seu repertório de distrações para uma população sem ideais, cujo objetivo de vida é viver a vida e os sonhos dos outros.
Mergulhados em problemas familiares, obrigações, afazeres domésticos que nunca se esgotam e problemas que se renovam a cada estação, eis o perfil do homem comum. Entretanto, nada disso faz parte da rotina daqueles “homens privilegiados" pela graça de uma contingência quase divina, agraciados com dotes extraordinários, o sonho de cada idólatra. Uma condição sedutora, reforçada todos os dias, criando no imaginário popular uma verdadeira diretriz existencial ou objetivo de vida.
E é no reino perfeito daqueles heróis justos, blindado contra problemas de qualquer natureza, onde os protagonistas esbanjam saúde e vitalidade num ritmo festivo sem fim, o bioma onde todos desejam entrar, um mundo do qual todos fazem questão de participar, uma condição que as tradições realçam como meta existencial obrigatória para todos.
Fazendo uma analogia, é exatamente este o mundo que nossos filhos pequenos conhecem desde cedo, idealizado desde os primeiros passos, graças aos Contos de Fadas obrigatoriamente, desde sempre, inseridos em suas vidas. De fato, destes contos surge a ideia de um paraíso que pode ser tocado, e tudo isso a depender da cota de mérito de cada um.
Se psicologicamente somos um espelho dos estereótipos comuns que integram os costumes sociais do meio que nos condiciona e recondiciona, existem algumas diferenças na estrutura da psique entre os dois gêneros humanos.
A Psique da criança do sexo masculino está predisposto a avaliar as coisas do seu mundo por meio do movimento, noção de espaço e lógica. A criança do sexo feminino mentalmente interage melhor com as emoções, todas as formas de comunicação, com a estética, criatividade, organização, disciplina e discernimento, além de possuir uma qualidade que o gênero masculino praticamente desconhece que é a intuição.
Logo, embora condicionados pela mesma fonte, as assimilações dos estereótipos são absorvidas com diferenças dramáticas. Cada um compreende segundo sua própria capacidade sensorial e qualidade cognitiva. Logo o ideário de uma menina, mesmo que influenciada pela mesma fonte, é quase oposto ao do menino. Os valores sociais ou culturais possuem pesos diferenciados dentro da psique de cada gênero. É importante que saibamos disso desde o princípio.
Mas desde cedo, e ao longo do seu crescimento, podemos observar como certas predisposições ou tendências naturais do seu temperamento serão fortalecidas pela mesologia. De tanto observar o uso de expressões como, “por favor”, ela logo vai compreender que algumas palavras possuem pesos diferenciados no palco das relações humanas.
Para uma criança pequena não existem os gêneros sexuais diferentes. Para ela, menina é aquela que possui cabelo comprido e veste saia, um ponto de vista já tirado dos estereótipos. Mas logo, na sua mente, vão se juntando os elementos que caracterizam bem os costumes e tradições locais, assim como as idiossincrasias naturais e espontâneas, ou ainda os estereótipos artificiais coletados do meio social que se prestam a designar e rotular cada gênero.
Conciliar realização profissional com o sentimento de satisfação na consecução de nossas tarefas parece ser um sonho distante, uma ideia formulada por alguém, quem sabe, um daqueles ídolos do faz de contas. E muitas vezes, as oportunidades escassas e a grande competição por uma mesma oportunidade não nos permite escolher a ocupação dos nossos sonhos. Outras vezes, o acaso acaba por nos colocar diante de tarefas que se revelam como uma verdadeira dádiva vocacional.
Frente a frente com a realidade, logo imaginamos seu oposto. É como funciona qualquer processo de escolha, uma vez que a eleição de alguma coisa representa um ideal que desejamos alcançar. Sendo um aluno medíocre, logo nos comparamos com o melhor da turma, e meu ideal é ser ainda melhor. Só temos olhos para o oposto, e ali focamos nossos objetivos, o que representa uma fuga óbvia à realidade.
E embora não possamos prescindir da escolha, podemos abrir mão dos opostos e optar apenas pela realidade. Diante dos fatos estaremos qualificados a compreender que, não importa qual seja nossa escolha, isso representa um benefício, uma possibilidade de aprendizado e autoexperimentação. E mesmo quando o processo se mostra adverso, não podemos nos esquecer de que, sem os aparentes erros de percurso, não existiriam os definitivos acertos de curso.