Autor: Jon Talber[1]
Conteúdo Atualizado: 15 de Julho de 2024
Um dos mais controversos e dramáticos debates da pauta acadêmica de todos os tempos ainda é a busca por uma definição universal do que vem a ser Inteligência. Não parece uma tarefa simples, uma vez que a cada geração, novas ideias, hipóteses, teses e métodos são acrescentados à imensa lista de conceitos já homologados, catalogados, protocolados como gabaritos ou métricas válidas e eleitas para categorizar este atributo.
O cérebro humano é dotado de uma capacidade inata que é pensar. Ele pensa a despeito de nossa vontade. E o fato concreto é que, nossos pensamentos não podem ser evitados ou contidos, e o máximo que podemos conseguir, com bastante treino é torná-lo um tanto mais seletivo, disciplinado e organizado.
É assim que podemos dar atenção a alguns fluxos pensênicos e desprezar outros. Pensar não é sinal de Inteligência, trata-se de um atributo inato do cérebro, desde que exista lastro para isso. Lastro, neste caso, significa dispor de memórias, que são as lembranças de todas nossas experiências. E nesse campo, os conceitos éticos e morais, assim como as regras e normas de comportamento de uma sociedade, são meras informações, dentre milhares, que fazem parte daquele repositório ou milenar banco de dados cerebral.
Imagine o motor de um veículo, que a despeito de sua capacidade de fábrica de gerar energia motriz para movimentá-lo, só será capaz de realizar tal procedimento se existir combustível em seu interior para ser queimado. Podemos comparar o cérebro ao bloco do motor onde tudo isso acontece. Já as memórias, estas podemos considerar como o combustível que será queimado para colocá-lo em movimento.
Este movimento capaz de gerar energia a partir da queima do combustível seria o pensamento. Ou seja, sem as memórias, que é o combustível, o movimento de percorrê-las criando cadeias lógicas também conhecidas como pensamentos jamais poderia ocorrer.
Domesticar um animal é simples. Para isso basta ensinar-lhe o processo de imitação ou a mímica de certos gestos, mas sempre em troca de compensações. Depois de treinado por um tempo, a simples lembrança da recompensa o fará lembrar do gabarito, coreografia ou gesto que deverá repetir para merecer seu quinhão ou agrado. O homem age da mesma forma, embora os agrados para que cumpra com suas obrigações, sejam outros.
Ele pensa de maneira lógica, logo é capaz de reagir aos estímulos conhecidos. Reagir significa reconhecer uma instrução ou parâmetros de uma tabela, receita ou fórmula e reproduzir. Isso significa seguir os passos indicados e assim realizar uma determinada ação cujo efeito tenha ou não um resultado previamente calculado ou planejado.
Roteiro ou receita sempre resulta em alguma ação. Basta observar como nosso comportamento é metódico, isto é, como segue prescrições, regras pré-estabelecidas. Regras que orientam como devemos fazer ou decidir, interpretar, desejar, sentir, e assim por diante. Agimos segundo o modelo parametrizado que rege nossos atos e pensamentos, e aparentemente, não há outro modo.
Um computador ou mecanismo virtual dotado de Inteligência Artificial também funciona segundo este mesmo princípio. Diante de uma solicitação de serviço, ele receberá como ponto de partida para sua ação algumas informações ou orientações básicas conhecidas como parâmetros, e nos devolverá o respectivo procedimento ou a resposta esperada.
E neste aspecto, dentro de muito pouco tempo, o homem comum será superado por autômatos dotados de Inteligência Artificial com inúmeras vantagens, pois além do mecanismo cibernético não precisar de compensações para realizar suas tarefas, também não necessita de descanso, sem contar que seu desempenho será infinitamente superior ao de qualquer entidade humana dotada de um cérebro tradicional.
Quando crianças, fomos domesticados do mesmo modo como tradicionalmente o são os animais ainda não amestrados. Isto é, para realizar algumas tarefas, primeiro nos mostraram como fazer, e depois, como incentivo para aguçar nosso empenho em assimilar as orientações, ao final de cada atividade, sempre fomos recompensados, ora com castigos, ora com afagos ou palavras cordiais, e em outras ocasiões, com presentes.
Nos anos seguintes o método será aperfeiçoado, e logo, sempre segundo este molde indutivo e cego, nos tornamos aptos a escolher de modo supostamente consciente aquilo que nos desagrada ou agrada. No mesmo pacote, também nos deixarão informados, embora nem sempre, sobre as eventuais consequências de cada ação consumada a partir de uma escolha.
E por meio deste processo mecanicista, ou conjunto de instruções coreografadas, passamos pela vida reagindo de acordo com as regras; respondendo a cada demanda sempre em conformidade com as prescrições já pré-estabelecidas. E é deste modo que será edificada e consolidada nossa personalidade.
E dentro deste pacote de procedimentos pré-definidos já estarão contidas nossas angústias e alegrias; nossos desejos, medos e opiniões, e assim por diante. E tudo isso ficará armazenado em nosso cérebro como memórias, não importando se temos ou não consciência deste fato. Esse lastro nos qualifica a interagir com nosso mundo. Agora podemos comparar, medir, compreender e ser compreendido; fazer escolhas e tomar decisões básicas e complexas, mas sempre de acordo com as diretrizes e protocolos sociais estabelecidos por cada bioma civilizado.
E há também o temperamento, representado pelas nuances do nosso instinto, que nos faculta a ter preferências involuntárias ou rejeições diante de algumas situações ou pessoas, o que dificulta ou favorece nossa relação com várias questões do dia a dia. E embora nosso temperamento seja capaz de nos predispor naturalmente em direção a um caminho ou comportamento, a força da mesologia, com seus hábitos, crenças, Condicionamento ou Lavagem Cerebral, poderá deformar ou mudar completamente nossas inclinações naturais e nos desviar de nossas vocações.
E há as interpretações fundamentadas nos padrões sociais, na tradição cultural e costumes de uma civilização ou nação. Desse modo, com base nesse estilo instituído como norma de vida, onde estão incluídos os tabus, paradigmas, crenças, dogmas e tudo mais, podemos compreender nossas experiências.
E deste ponto em diante, agora que somos capazes de reproduzir na íntegra as recomendações básicas da “Cartilha do Viver de cada Mesologia" com seus gabaritos, tabelas, fórmulas e protocolos, segundo os cientistas sociais, podemos nos considerar inteligentes.
De acordo com este conceito universalmente aceito, ser capaz de Imitar é o mesmo que ser Inteligente. No entanto, o ato da mímica ou imitação não é uma qualidade adquirida, mas, ao invés disso, um atributo inato e irracional próprio de cada ser vivo. Faz parte de sua psicogenética; são gestos autônomos. Uma célula, ou uma bactéria unicelular imita a outra de maneira autônoma, e assim é possível restaurar as danificadas ou se reproduzir. Imitar é um dom ingênito que não requer capacitação prévia. No entanto, para saber o porquê se imita, qual o propósito ou finalidade, neste caso, o processo de capacitação é necessário.
Se o mero agir por repetição não é capacitação e sim apenas um atributo natural, por que consideramos isso um ato de Inteligência voluntária? Na verdade este conceito não é nosso. Nossos ancestrais e os cientistas sociais de outras eras fizeram esta deliberação, e mais uma vez, apenas repetimos a ideia, tradição ou juízo. E assim tem sido para tudo. Observe nossas crenças, medos, ideais de felicidade, desejos, caprichos, objetivos existenciais e opiniões sobre qualquer coisa.
O que há de novo sobre a terra, inédito, que nunca foi experimentado, vivenciado, tocado ou construído por outros, em outros tempos, diante de outras demandas e circunstâncias? Não há nada novo, apenas novos veículos humanos repetindo antigos procedimentos sociais. Muda-se a estética da indumentária, mas não seu usuário.
Se o ato de imitar é sinal de inteligência, o computador é o mais sábio dentre todos os sábios jamais existentes a qualquer tempo. E apesar de não ser “uma entidade viva ou biológica” dotada de um cérebro orgânico sentimentos e sensações, ele é capaz de imitar com perfeição e sem cometer erros. Ainda é mais rápido e mais preciso em suas demandas do que qualquer indivíduo, e, o mais importante, também não precisa de uma vida inteira de experiências para se especializar e tornar-se capaz de decidir alguma coisa.
Incapaz de resolver seus antigos problemas, mesmo os mais simples deles, os mesmos herdados dos seus ancestrais há incontáveis gerações, sem saber como lidar com as mais insignificantes causas dos seus sofrimentos e conflitos, ainda assim, apenas porque é capaz de criar máquinas eletrônicas sofisticadas, o homem se autodenomina Inteligente.
O fato concreto é que, não sabemos viver sem Medo, sem contar que desconhecemos na íntegra o conceito ou significado prático daquilo que se esconde por trás da palavra Paz interior, ou paz de Espírito. Para nós, a ideia de Paz não passa de uma espécie de norma ou mito urbano capaz de ser reproduzida por meio de uma coreografia ou postura adquirida, ou até mesmo comprada, no varejo social, e não um sentimento pessoal, íntimo.
Elegemos a destruição do oponente como um ato de vitória por acreditar que o hábito de acumular conhecimento e riquezas é um sinal de sabedoria. Tratamos com indisfarçada indiferença os menos favorecidos semelhantes a nós, desprezamos os animais irracionais ao elegê-los de maneira unilateral como principal fonte de alimentos, e ao mesmo tempo ignoramos seu sofrimento. E diante destas e outras contingências do viver, ainda assim nos consideramos como entidades biológicas dotadas de Inteligência?
Sem potencial algum para criar algo original, e dotado de uma aptidão inata para destruir cegamente, imitar ou repetir sem refletir, mesmo aquilo que sabidamente não nos serve para nada, este parece ser o verdadeiro papel do homem sobre a terra. Não seria então um sinal de Inteligência perceber, com a mais altiva lucidez, que nenhum dos nossos atos pode ser tipificado como traço, ainda que remoto, de Inteligência?
Diz um velho adágio: “O sábio olha para trás, mas não porque esqueceu algo, e sim para ter certeza de que não está mais no mesmo caminho...”