Autor: Anne Marie Lucille[1]
Conteúdo Atualizado: 16 de Julho de 2024
Observação Importante: Quando usamos a expressão Pai ou Pais, Educador ou Educadores, na verdade estamos nos referindo aos dois gêneros, e não apenas ao gênero Masculino.”
Com exceção das eventuais intimidações ou admoestações que os pais ou irmãos mais velhos usam como forma de controle ou dissuasão diante de alguma ação considerada como indevida, as crianças, ao menos as pequenas, parecem não temer coisa alguma.
Sem uma noção clara de errado ou certo, com um temperamento rebelde próprio daquele que tem a ânsia de explorar sem limites e com a firme intenção de descobrir como as coisas do seu mundo funcionam, assim é a mente inquieta de uma criança normal.
Desse modo, muitas vezes, os adultos e as crianças mais velhas se impacientam com aquele ser dotado de uma energia aparentemente infinita, incapaz de enxergar qualquer coisa além de si mesmo, portanto, sem senso crítico para perceber que, com frequência, o excesso de suas investidas acaba por perturbar os demais. E como as palavras não são argumentos convincentes ou compreensíveis para alguém alheio ao seu significado, a disciplina à força logo se torna uma necessidade, ou um princípio educador básico dentro de casa.
Por disciplina à força entenda-se a intimidação de qualquer natureza com o propósito de controlar, conformar, ajustar ou domesticar aquele indivíduo que parece afrontar todas as regras e normas internas da casa. E o argumento mais utilizado pelos adultos neste processo de ajuste à força está fundamentado numa regra muito simples: “Qual o maior temor de uma criança senão a falta de liberdade?”
Para uma criança, onde a liberdade para explorar sem rédeas o seu mundo constitui sua razão de viver, tal prerrogativa é também seu ponto vulnerável. Assim, por temer ficar de castigo e ser impedida de exercitar seu insaciável ímpeto explorador, ela recua e se torna parcialmente controlável. Isto para os adultos, quer dizer disciplinada.
E esta força coercitiva depois adquire novas variantes. São as compensações por bom comportamento ou repreensões por indisciplina. Deste modo, surge uma das mais dramáticas forças condicionadoras. E onde há promessa de recompensas, haverá também o receio de não obtê-las. E há também as punições. E tal metodologia disciplinadora centrada no medo se torna a catequese de todas as pedagogias humanas. E pelo uso do medo, crianças e jovens se ajustam, embora sem consciência, muito menos por efeito de alguma disciplina conquistada.
Trata-se de um cerco negativo que ocorre em duas frentes. Primeiro a criança se torna medrosa, motivo pelo qual terá comprometida sua espontaneidade e criatividade. Segundo, ela prefere se acomodar e seguir as regras e protocolos comportamentais, sem contestar os padrões aceitos, sem duvidar de nada, sem pensar antes de fazer. E assim nasce o indivíduo com Baixa Autoestima, interiormente frustrado, indeciso, sem opinião própria ou senso crítico, facilmente sugestionável pelos oportunistas ou pela força midiática.
E como a criança ainda é incapaz de perceber o quanto é medrosa e insegura, e como todas suas iniciativas são monitoradas de perto por seus pais, irmãos, orientadores ou capatazes, cada vez mais se torna dependente de uma fonte de referência; uma instância autenticadora até para protocolar seus pensamentos. Surge o indivíduo sem iniciativa e sempre em busca de uma sombra para aprovar ou certificar seus atos; dependente de uma muleta onde poderá se escorar; sempre à espera das ordens que lhe serão delegadas para então sentir-se capaz de dar o primeiro passo.
Dominados pelo receio da reprovação, as crianças e jovens logo dependerão dos outros para guiá-los em suas ações mais simples. Serão incapazes de caminhar por conta própria e doravante irão depender de guias. Não terão autonomia para pensar, tornando-se campo fértil para os manipuladores. Terão as personalidades incondicionalmente construídas de acordo com as disposições e costumes do meio onde vivem, um pacote no qual está contido o processo de lavagem cerebral praticada por alguns segmentos ideológicos e sectários, assim como a adesão aos vícios patológicos.
Já crescerão assediados com um considerável repertório de medos e culpas. Serão obrigados a se conformar sem nenhuma consciência de que estão sendo amestrados, condicionados ou conduzidos sob coerção. Qual será o seu provável destino?
E apesar da ideia de que o progresso técnico é capaz de melhorar nossa qualidade de vida e suprir necessidades vitais, psicologicamente falando, este avanço não ocorrerá. Basta ver nosso exemplo, quando nos comparamos com nossos ancestrais das cavernas. Agora vestimos roupas sofisticadas, usamos computadores avançados e até podemos nos deslocar pelo espaço. Ainda assim, não aprendemos a superar o medo, os conflitos, a angústia e a insegurança; ou mesmo os travões emocionais mais simples.
Se ainda não conseguimos erradicar das nossas relações os incontáveis conflitos, sentimento de inveja, mágoa, ódio ou a violência, então, desde os tempos remotos, psicologicamente, pouca coisa mudou. Assim, onde está o progresso?
E há o problema da crueldade e da opressão sobre os mais fracos. E não respeitamos a vida, nem dos nossos semelhantes, nem dos animais que chamamos de irracionais, cujas vidas, para nós, têm valor apenas pecuniário ou nutricional. Trocamos suas vidas por dinheiro, e consideramos tal prática avanço civilizatório ou progresso.
A criança ainda não foi contaminada por todo este ideario patológico, muito menos precisa disso. Ela ainda não se vê como parte integrante de todo esse circo, ou sob o jugo de suas tradições, superstições e deformações. Ainda não foi transformada em um zumbi social amestrado, numa espécie de autômato capaz de ser conduzido como um cão sem dono ao comando do seu mestre ou capataz.
Correção é o ato de mostrar, por meio do esclarecimento, os erros cometidos e seus respectivos efeitos, e tudo isso de maneira clara e não redundante. A eliminação das faltas ocorre quando não mais permitimos a reprise de antigos equívocos. As crianças não precisarão herdar nossos erros e desventuras. E se houvesse bom senso, aquilo que não mais serve para nós, também para elas não mais deveria servir. Eis o motivo pelo qual devemos cuidar para que nunca mais imitem nossos erros e equívocos, assim como investir para que repliquem nossos acertos e ao mesmo tempo potencializem suas próprias virtudes.
Se nossas posturas do presente representam todo legado do passado, seria lógico afirmar, sem medo de errar, que nosso futuro poderá ser uma continuação de tudo que já existe. Não podemos confiar que leis, regulamentos sociais ou doutrinas sacras obriguem o homem a se tornar virtuoso ou ético, afinal de contas, até agora nada disso tem funcionado. Virtude cultuada não passa de hipocrisia institucionalizada. Caráter se faz em casa, por meio de bons exemplos, jamais na rua, nos gabinetes legislativos ou nos palcos de movimentos ideológicos ou sectários de qualquer natureza.
Regulamentos e protocolos não poderão fazer este trabalho. Além disso, se existem as leis para regulamentar nossa conduta, é porque, definitivamente, em nosso repertório consciencial, ainda não existe bom senso suficiente para o natural florescimento da disciplina ou ordem consciencial.
Ao orientar uma criança ou jovem, o adulto, no papel de pai ou educador, deve ter em mente que seus problemas pessoais não resolvidos poderão ser transferidos involuntariamente para outros em caso de descuido. E isso inclui as condutas tendenciosas, manias, desvios de conduta ou caráter, mal comportamento e o modo temperamental de agir, assim como a forma patológica de criticar ideologias, pontos de vista contrários aos nossos, ou até mesmo pessoas.
Desejando o docente ou pai mudar de postura, deverá questionar por que precisa esperar um tempo indefinido para realizar as mudanças necessárias. Será preciso dispor, por exemplo, de um tempo extra para perceber que estamos com mágoa ou que fizemos da dissimulação ou fingimento um modo de vida?
Tradicionalmente, tornou-se hábito colocar as mudanças numa linha do tempo sempre distante de nós, num ponto cronológico aparentemente inalcançável. Isso é compreensível, uma vez que ainda dependemos do mitológico advento da divindade redentora que descerá dos céus para, num passe de mágica, consertar tudo, dentro e fora de nós, sem, contudo, mexer em nossas preferências, juízos e valores, prerrogativas das quais não temos a menor intenção de abrir mão, e tudo isso, de bom grado, deverá chegar até nós sem a exigência de esforço algum de nossa parte.
Fomos programados pelos nossos guias para buscar na acomodação e na ilusão da infinita espera, a solução definitiva para nossos conflitos e problemas atuais e futuros. Ignoramos que sem esforço pessoal não pode existir transformação. Nossa mente ainda não avançou um palmo sequer em relação ao nosso parente troglodita que inventou a luz por temer o bicho papão noturno. Muda-se a qualidade e o estilo da indumentária, mas, o indivíduo que a veste, este, aparentemente continua o mesmo.