Autores: Anne Marie Lucille e Ester Cartago[1]
Conteúdo Atualizado: 16 de Julho de 2024
Observação Importante: Quando usamos a expressão Pai ou Pais, Educador ou Educadores, na verdade estamos nos referindo aos dois gêneros, e não apenas ao gênero Masculino.”
Além de saúde, o que inclui uma alimentação adequada e apoio material, são itens imprescindíveis para a boa formação psicológica de uma criança, atenção, carinho, cortesia, paciência, e especialmente respeito. Respeito é simplesmente ter a decência de, desde cedo, não contaminá-la com nossos vícios, manias e maus hábitos.
Sim, nós somos os agentes contaminadores da psique infantil. Psicologicamente falando, nos primeiros anos de vida, a criança ainda não tem uma personalidade pontuada pelos costumes sociais. Sua mente está vazia. Ali não existem memórias, nenhum acervo enumerando suas experiências de vida, e sem isso, ela não é capaz de pensar, ao menos de maneira lógica, dedutiva, racional, analógica e consciente, a exemplo de nós os adultos.
No entanto, logo essa mente vazia será preenchida com os caracteres que consideramos mais preciosos em nossa personalidade, tais como, vaidades, crenças, ideologias, superstições, medos, paranóias, fanatismo, assim como os desejos e preferências mais bizarras. Isso ocorre porque somos uma maioria cuja convicção é de que temos o dever ou a missão sublime de reconfigurar o mundo de acordo com nossas vaidades, caprichos e opiniões.
Observe o que motiva um corrupto, se não é a satisfação por obter alguma vantagem ou de ser cortejado com inúmeros agrados. É o desejo de sentir-se poderoso, dominador, sem contar a grande satisfação de ter ao seu lado uma corja sempre crescente de fiéis bajuladores, um séquito de adoradores, também corruptos, sempre à espreita de uma oportunidade para receber algum favor, de preferência sem nenhum esforço ou necessidade de contrapartidas.
Imagine se existisse uma maneira de tornar nossa vida mais fácil, confortável, especialmente se, para isso, esforço algum de nossa parte fosse necessário. Seria o tipo de benefício que, além de muito vantajoso, deveria ser incorporado ao nosso patrimônio ou status pessoal como uma espécie de doação espontânea, como algo literalmente caído do céu.
Caso fôssemos capazes de, com poucas palavras, traçar o perfil íntimo de um corrupto, o que teríamos pela frente? Trata-se daquele sujeito que já sai de casa na expectativa de trazer da rua um pacote sempre crescente de vantagens. Um homem alheio a ética e um fiel partidário da lei do menor esforço. Um indivíduo sem nenhum escrúpulo ou pudor que está sempre disposto a mentir, explorar ou levar vantagens sobre os incautos, se o propósito for atingir suas metas de autorrealização.
Quando uma criança é tratada como mimos exagerados, presentes e todo um aparato de agrados para que cumpra com seus deveres primários mais básicos, ela está diante das mesmas condições que também criam, motivam, reforçam e consolidam a personalidade um corrupto. São compensações para escovar os dentes, ir à escola, ir dormir cedo, pentear o cabelo. Então, que tipo de mensagem estamos inserindo na personalidade deste pequeno personagem?
Criança precisa de educação, zelo, respeito e carinho. Também precisa de Disciplina ordenada, que é o sentido de organização pessoal. Criança precisa aprender desde cedo o sentido da vida, o sentimento de solidariedade, mas não com aquela proposta clássica “do dar para receber em dobro”. Criança precisa descobrir o que é a amizade e praticar respeito porque vivenciou isso dentro de casa e aprendeu que é a coisa certa, e não apenas porque está escrito em algum livro sagrado, decreto social, síntese ideológica ou tratado doutrinário.
Entretanto, há toda uma cultura instituída de que criança precisa de agrados exagerados, e de que em seu mundo tudo deve ser permitido. E isso inclui as birras, os erros cometidos, mesmo os intencionais, até como forma de evitar que sofra constrangimentos ou traumas emocionais, caso seja repreendida. É crença de que tais intervenções poderão se transformar em feridas psicológicas sérias.
No entanto, permitir sem restrições que a criança absorva sem ressalvas todo conteúdo midiático disponível no mundo virtual, onde estão incluídas bizarrices, violência sem limite, culto ao belicismo, desinformação, alienações, comportamentos doentios, costumes nosográficos e capazes de abalar até mesmo um adulto centrado, paradoxalmente, tudo isso é permitido, apoiado por cientistas educacionais e aceito socialmente como uma pedagogia adequada.
Assim, alertar para um erro que eventualmente venha a cometer é considerado um gesto capaz de lhe causar traumas. Mas, assistir novelas e programas com tramas espúrias, de uma realidade absurda, onde se cultua a degradação moral e social, isso é considerado edificante, e até debatido em círculos de pais e professores como uma exemplificação saudável dos comportamentos dos novos tempos.
Onde está a falha? E se a falha está em nosso modo acrítico de enxergar este problema? De aceitar essa Manipulação Midiática e Social com transigência, a exemplo de fanáticos religiosos fundamentalistas que se recusam a pensar e se deixam conduzir para o abismo da ignorância por gurus inescrupulosos, crentes de que do outro lado das trevas existe um paraíso construído especialmente para atender suas carências mais sórdidas?
Falando sério, esta mentalidade meritória não lembra o processo dos mimos? Isto é, aceitamos o mundo com suas deformações e absurdos, mas em troca de nossa indiferença, concordância, apoio e incompreensível obediência, há uma fabulosa compensação rotulada de Paraíso. Trata-se de um mundo dos sonhos localizado em algum ponto atemporal, cuja localização ninguém conhece, sempre de portas abertas para acolher todos resignados e consonantes; uma comunidade mágica capaz de satisfazer todos os nossos desejos e atender à todas as nossas demandas, e o mais importante, sem exigir nenhuma contrapartida de nossa parte.
A tradição social transformou em hábito a ideia do dar e receber presentes como uma forma válida e necessária de convívio. E o hábito de "dar para receber algo em troca" em pouco tempo tornou-se uma instituição sólida, a exemplo de uma religião ou uma doutrina de vida, assim como um ativo econômico dos mais rentáveis. E logo o hábito se transformou em costume, e agora faz parte de todas as tradições, de todos os povos, em todos os tempos, em todos os contextos.
Mas, paradoxalmente, ao contrário do que sugere tal prática, não se percebe um aumento proporcional na cordialidade e respeito entre os indivíduos, e há cada vez mais Antagonismos, Relacionamentos em crise, o fim do sentido real de confraternização, e se acentuam os conflitos. Fica evidente que há uma falha grave em nosso modo de tratar tudo isso.
Então, para uma criança, cuja mente ainda precisa de lastro e experiência de vida para se tornar capaz de discernir sobre a complexidade do viver, o que significa ganhar presentes, mesmo que seja como uma espécie de abono ou incentivo para que cumpra com seus deveres mais óbvios?
Trata-se de um modo institucionalizado de comprar sua obediência, disciplina, servidão; convencê-la, muitas vezes, a cumprir algo contra sua vontade, mesmo que este algo seja uma tarefa que irá se reverter em benefício para a mesma. Convencer é o mesmo que forçar, obrigar. Logo, fazer algo contra sua vontade só é possível por meio de compensações ou agrados vantajosos, o mesmo incentivo que também motiva um corrupto.
Direitos e deveres, desde os primeiros anos de vida, esta deveria ser a primeira disciplina em qualquer processo educativo doméstico. Na vida real, dentro das sociedades organizadas, os indivíduos parasitas são aberrações que causam desequilíbrio e representam uma ameaça concreta à harmonia de cada mesologia, uma vez que, embora usufruam dos benefícios do estado, em nada contribuem, sacrificando deste modo todos os demais. Assim, ensinar a criança desde cedo sobre tais coisas é dever dos pais, já que neste quesito, definitivamente, ainda não podemos contar com a ajuda das escolas.
Em um mundo civilizado e justo, o que infelizmente ainda não é o nosso caso, as pessoas se ajudariam mutuamente. Compreender esta regra básica é o primeiro passo para a Autodisciplina Infantil. Disciplinada, a criança não precisará de agrados extras para cumprir com suas obrigações, e assim estará livre da sombra da corrupção, seja da parte dos pais, ou de qualquer outro que usa mimos e presentes como isca, seja para exercer controle sobre alguém, seja para obter favores "extras".
E a consequência dos mimos exagerados é óbvia. As crianças logo ficarão viciadas e dependentes de mimos e compensações. E toda sociedade patológica incentiva a prática. E há as Datas Festivas, e Eventos de toda natureza, que reforçam e consolidam o hábito. Viciadas em receber para dar alguma coisa, o que podemos esperar das sociedades futuras?
Qual será o caminho natural de alguém já corrompido, senão repassar tudo aquilo que aprendeu e pratica no seu dia a dia para seus sucessores? Afinal de contas, não foi exatamente isso o que fizeram nossos pais, e os pais destes?
Se o mimo e o carinho genuíno, aquele em forma de afeto, desde que seja coisa gratuita, é para nós um modo correto de se educar, as compensações corruptoras, estas não o são. A regra é bastante simples: quando este mimo se transforma em moeda de troca para compensar cada tarefa realizada, para as crianças, logo a prática torna-se uma fonte de acomodação e dependência patológica.
Devemos nos lembrar de que, naquela mente ainda em formação, não existe nenhum conceito de regras sociais, muito qualquer conceito ou ideia sobre o que é errado ou certo. Aquela pequena psique, ainda sem nada escrito em seu roteiro existencial, por instinto, a exemplo dos animais irracionais, já sabe o que é satisfação. Satisfação significa que aquilo é bom, sendo, portanto, supostamente necessário ao seu bem estar.
E a regra de sobrevivência do animal bruto, irracional, está centrada no seguinte preceito: se não favorece deve ser evitado, mas se ao contrário favorece, deve ser aceito, cultivado e repetido a qualquer custo. Mas, a criança racional ainda não sabe o que é ética, nem comportamento incorreto ou correto, muito menos conhece os malefícios dos hábitos, a exemplo dos vícios e manias, uma pauta que nós já conhecemos de longa data.
Mimo, o carinho espontâneo, é coisa válida, e isso proporciona à criança a sensação de segurança, aumenta sua autoconfiança e autoestima; potencializa a sensibilidade, melhora a qualidade da sua cognição, e nesse caso, é o único presente necessário.
No entanto, criamos algo novo, um tipo de autocorrupção próprio do conhecido processo de troca, um preceito centrado na máxima do “dar para receber”. Trata-se do nosso modo de vida, cujo alicerce foi erguido sobre essa pratica. “É dando que se recebe.” É um mandamento dos livros sagrados, um preceito existencial. E assim, até para sorrir a criança passará a receber compensações. Doravante, nenhuma ação praticada em sua vida terá mais uma conotação gratuita, espontânea, e sim apenas a intenção dos favores prestados em troca de favores recebidos.
Nós lhe ensinamos tudo isso, ela não nasceu com esse repertório cognitivo. Depois, já crescida, quando se torna egoísta, competitiva e disposta a destruir ferozmente seu semelhante na defesa de um simples ponto de vista, como moscas desorientadas, ficamos a nos perguntar, “Onde será que falhamos?”
Falhamos em tudo, por ignorância e omissão. E tudo começou quando introduzimos na vida das Crianças e Jovens o conceito expresso de que toda ação praticada exige uma contrapartida. É regra básica em todas as sociedades: “É dando que se recebe”. Está lá, em nosso manual básico de vida na terra. Poderá existir compaixão e respeito onde existe o desejo de compensação por alguma ação praticada?
E embora muitos defendam de maneira intransigente que não é possível educar sem mimos exagerados, agrados materiais e outras pequenas e grandes corrupções, alegando que o mundo sempre funcionou desta maneira, fica claro que não estamos diante de educadores minimamente qualificados. De verdade, não precisamos corromper a mente de nossas crianças e jovens com sistemas cada vez mais elaborados de coerção e indução, ou com promessas que jamais poderão ser cumpridas, tirando deles, a capacidade de se expressar com naturalidade, espontaneidade e liberdade.
A criança não precisa ser corrompida para cumprir com suas obrigações. Precisa sim, de Esclarecimento e Instrução para se Autodisciplinar sem se corromper. Isto se faz simplesmente não a subornando com os fáceis agrados de toda vida. Entretanto, depois de crescida, já consciente das coisas, não haverá má fé se a presentearmos, sem motivos ou ocasiões especiais ao fundo, sem cobrança de coisa alguma, sem que aquele gesto esteja vinculado a nenhuma ideia de mérito ou gratidão.